FLAMENCO: DESCOBRINDO SEU INSTRUMENTO INTERNO

“Cantar é essencial, tocar é secundário”.

      Frase dita por um aluno de violão, que descobriu um vasto universo musical ao começar a cantar os sons que ele produzia no instrumento. E com sons me refiro a melodia e ritmo. Ao encontrar dificuldades em executar um exercício de arpejo (quando as notas de um acorde são tocadas separadamente em combinações específicas), percebeu não só que tocar era mais fácil ao cantar as notas no tempo, como a memorização se tornava muito mais viável, ao invés de focar apenas no processo mecânico.

      Técnica é o estudo do processo físico e mecânico do movimento, incluindo conscientização, assimilação, reprodução e memorização. Ela é fundamental para que os sons que produzimos, seja no violão, cajón, palmas, cante ou na dança flamenca (incluindo sapateado e corpo) saiam limpos e precisos. Fundamental também para que não nos machuquemos ao executar de maneira incorreta, e possamos render mais com menos esforço. Mas se esta técnica vier acompanhada de musicalização, ela com certeza será mais eficiente e de fácil absorção. 

     No flamenco, o estudante de dança está muito habituado a “pegar passos” e memorizar sequências coreográficas. A coreografia acaba sendo o foco principal. O esquecimento de frases de sapateados é muito comum. E por quê isso acontece? Ao fixarmos a nossa atenção na quantidade de vezes que o passo é feito, ou apenas na mecânica que está sendo usada, nos esquecemos do principal: como deve soar. Qual o som que desejamos produzir. A verdade é que se esquecermos da mecânica, mas lembrarmos do som, e claro, soubermos como encaixar esta sonoridade no compasso, tudo dá certo no final, porque um pé fora do tempo vai destoar muito mais do que um golpe no lugar de uma planta.

  Cantar o sapateado então é vital, e não vem dissociado da mecanização do mesmo. Ao contrário, contribui e muito para uma execução precisa e memorização. Quando cantamos uma sequência de pés, nos apropriamos dela, e passamos a fazer parte da música que acompanha de fato. A apropriação e domínio rítmico vem então do ato de cantar, e não apenas de ouvir e memorizar mecânicas. Nesse processo o conhecimento adquirido de forma consciente ajuda a reconhecer esses sons e nomeá-los. Ao dar nome e sobrenome ao que fazemos, nos apropriamos por completo da linguagem. E o flamenco é uma linguagem, que quando bem falada, será bem compreendida e bem recebida em qualquer canto do mundo.

   Tercina que entra na segunda nota antes do tempo, compassos binários que dialogam com ternários e um binário de ligação no final da frase musical de base de Seguiriyas, melodias ascendentes e descendentes que indicam o caminho do cante, falsetas e bases de violão, palmas dobradas, frases de arremate…. a linguagem flamenca parte de uma base de conhecimentos, e cada etapa de aprendizado é vital para que possamos sempre seguir crescendo e não estacionar ou regredir. A musicalidade é requisito fundamental para expressarmos mais e melhor. Não se trata de mais ou menos talento, mas sim de mais ou menos conhecimentos adquiridos, mais teoria aliada à pratica, mais cantar e cantarolar.

   Então, cantarolar é preciso! Mais do que decorar letras, cantar as melodias, seja de uma falseta, de uma letra de Alegrias, de um estribillo de Fandangos de Huelva, não importa, cantarole tudo, e sempre com a palma trabalhando junto marcando o compasso. Cada passo aprendido está dentro de um contexto rítmico e melódico. Cante as divisões rítmicas, as escobillas, chamadas, arremates. Se o flamenco é uma linguagem, não basta ouvir, é preciso falar. Ouça mas também fale. E falar flamenco é cantar tudo o que fazemos. O conceito de cantar não é exclusividade do cante. É de todos. E ao contrário do que se imagina, vem antes da execução de um sapateado, de uma falseta, de um cante, de um toque do cajón ou das palmas. É cantando que nos apropriamos de tudo o que fazemos no flamenco. Fazer flamenco é ouvir, compreender e responder. Vamos responder com propriedade, vamos cantar!

Gabriel Soto

CUEVA FLAMENCA SP – Casa em Si

A Cueva é tão especial para todos os “residentes” da Casa em Si que mereceu um artigo breve sobre a sua história (que só está começando) e algumas atualizações sobre nossos eventos culturais.

Que insana a saudade da conversa entre um acorde, uma voz e um corpo no meio da tarde primaveril que culmina no aplauso caloroso de quem acompanhou essa conversa.

Um espaço de saraus, lançamento de livro, aulas e workshops de música, dança e coreologia, sempre a nossa espera para acolher aquele momento inigualável e irrepetível com nossos amigos e com o público….

Quantos momentos mágicos na vida de quem faz arte, de quem vive de arte e de quem prestigia a arte.

Idealização da Cueva

A primeira Cueva Flamenca está na Casa em Si em São Paulo, na Vila Mariana, num espaço artístico que remonta as cuevas espanholas tanto na decoração, quanto no caráter intimista e no diálogo flamenco. Uma experiência única que te leva à uma viagem inesquecível à Espanha, sem sair de São Paulo.

Ser artista é ter uma visão única, somada a capacidade de criar algo mágico sobre algo simples a partir desta visão tornando-a real.

A idéia da Cueva foi gerada pela visão inicial de cinco pessoas em 2018, profissionais de diferentes áreas unidos pela arte e, principalmente, pelo flamenco, mas ela realmente nasceu com o empenho dos seus responsáveis e ganhou corpo, cara, aconchego, flamencura e poesia pelas mãos, talento e empenho de Angela Perez em 2019.  

Cada pequeno detalhe tem sua história e cada elemento que ali está foi uma grande conquista cuja recompensa são os relatos e o sorriso de espanto de cada pessoa que entra neste espaço.

Acreditando no potencial de um espaço flamenco multicultural de música e dança, dois professores, artistas e microempresários, Gabriel e Cylla, se agarraram na arte, no trabalho e nas parcerias e hoje a Casa em Si é uma realidade. A Cueva é uma parte desta realidade.

Sonho interrompido

Muitas pessoas têm perguntado sobre os eventos na Cueva e para nós é sempre muito triste dizer que não pudemos ainda abri-la para os residentes, para os flamencos e principalmente, realizar nosso objetivo de democratizar o flamenco e o ambiente único da Cueva para o público em geral.

Como todos que viveram as circunstâncias do Covid 19 sabem, em 2020 veio a pandemia e com ela muitas lutas simultâneas. Para nós, a maior das lutas foi para que a Casa em Si permanecesse aberta. É sempre tão importante quanto necessário dizer que jamais conseguiríamos isto sozinhos. Se a Casa em Si permanece, assim como seus sonhos e objetivos, é porque foi abraçada pelo empenho, compromisso, investimento e trabalho árduo de muitas pessoas. Muitos espaços não tiveram a mesma sorte.

… e a arte, pelas mãos do artista, sempre encontra um caminho.

Apesar de quase 1 ano de fechamento e muito empenho até o momento atual, devido ao aumento dos números de contágio da Covid e de acordo com nossos protocolos de segurança não pudemos realizar “ainda” os eventos na Cueva.

A Cueva é nossa: do público, dos residentes, de todos os artistas flamencos, dos profissionais de arte e todos os alunos flamencos que queiram experienciar este ambiente cultural.

Mais do que um artigo, esta é uma carta para dizer que seguimos acreditando, criando e buscando formas de viabilizar muitos eventos culturais que estão apenas aguardando a possibilidade de nos reunirmos. Com a situação pandêmica um pouco mais estabilizada e um menor número de contágios, desejamos abrir as portas em breve, pouco a pouco, mesmo que com a capacidade reduzida e mascarados.

Por hoje, convido você a sonhar conosco com essa abertura da Cueva Flamenca. Faremos de tudo para que o sonho se torne realidade rapidamente. Por isso prepare-se, pois quando o momento chegar vai ser uma festa cada vez que nos encontrarmos.

Cylla Alonso

FLAMENCO FUSION

Fusão é o efeito ou ato de fundir, unir ou mistura duas ou mais coisas distintas, onde características de cada uma se interceptem formando algo único como resultado.

“Acho que a música há muitos anos vem quebrando fronteiras e aproximando pessoas de diferentes culturas. (El País)

Fernando Trueba (produtor do disco Lágrimas negras, junto a Javier Limón, de Diego Cigala y Bebo Valdés)

Embora “flamenco fusion” não seja especificamente um ambiente flamenco, é uma expressão que traz um conceito determinado ao ser utilizado, e que difere do flamenco purista, coexistindo como manifestação flamenca.

Para elaborar o Flamenco fusion é necessário entender o chamado “Novo Flamenco” cuja história começa nos anos 70, muito antes da expansão causada pela internet no ano 2000, com a influência de diversos estilos musicais da Europa e dos Estados Unidos no flamenco, iniciando assim os primeiros processos que levariam o flamenco a ser posteriormente chamado de “novo flamenco”.

O produtor José Antonio Pulpón dá o pontapé inicial a este processo convidando o  cantor flamenco Agujetas para colaborar com o grupo de rock andaluz “Smash” dando início a uma fusão inusitada e, principalmente, propondo a união artística entre Paco de Lucía e Camarón de la Isla, com quem gravou nove álbuns entre 1969 e 1977, e que por sua vez deram um impulso ao flamenco que rompeu com o conservadorismo e trouxe o flamenco para outro patamar.

Os imortais Camarón e Paco de Lucia foram artistas únicos que, pela arte, ousadia e escolhas artísticas, reconfiguraram o cante e a guitarra flamenca, respectivamente. 

O primeiro disco de Camarón sem Paco de Lucía, La leyenda del tiempo, lançado em 1979, é até hoje considerado um marco do flamenco, aproximando-o de gêneros como o rock e o jazz.

Este novo flamenco também permitiu que estes músicos se encontrassem e que dentro de duas disciplinas criassem algo novo e maravilhoso. Foi o que aconteceu no encontro dos violões de Paco de Lucia, Al Di Meola e John McLaughlin, cujo resultado fascinante rodou o mundo através dos álbuns: Friday Night in San Francisco (1981), Passion, Grace and Fire (1983), The Guitar Trio (1996).

Paco de Lucía, por sua vez, também inovou e introduziu novos instrumentos, como por exemplo, o cajón peruano, que pelas mãos do percussionista baiano, Rubem Dantas, se firma como elemento do flamenco e posteriormente do mundo da música.

O Grammy Latino de Melhor Álbum de Flamenco foi um prêmio concedido pelo Latin Grammy Awards por álbuns de flamenco de qualidade. O primeiro prêmio foi atribuído a Camarón e Tomatito, no ano 2000 por Paris 1987. Paco de Lucía ganhou postumamente este prêmio e “Álbum do Ano” com seu último álbum Canción Andaluza em 2014, tornando-se o primeiro artista flamenco e álbum a fazê-lo.

Com o novo flamenco despontando e as inúmeras possibilidades de caminhos que ele abriu também para os encontros que geraram as fusões, seria impossível não citar como expoente histórico do flamenco fusion o cantaor Enrique Morente, que foi do purismo à miscigenação com o rock no álbum “Omega” com a banda Lagartixa Nick, lançado em 1996 pela gravadora El Europeo Music e relançado em 2008.

Sob influência dos desbravadores do novo flamenco, Paco de Lucia e Camarón, e as tendências de fusão apresentadas por Enrique Morente, Lebrijano, entre outros, surge uma nova geração de artistas flamencos que renovam o panorama musical espanhol, na época da Movida Madrileña, já nos anos 80.

Artistas muito diferentes despontavam neste cenário da música popular espanhola da época e o selo Novos Medios, considerado como “a Motown Flamenca” e conhecido por apoiar a cena independente espanhola durante os anos 80/90 lançando músicas de algumas das bandas mais emblemáticas. Este selo lançou a coleção Los Jovenes Flamencos, em três volumes dando cara, cor e volume ao que começa efetivamente a ser conhecido por Novo flamenco apresentando uma rama de flamenco fusion com ícones artísticos como a banda Pata Negra, Ketama e o cantor/compositor Ray Heredia.

Talvez auxiliado pelas fusões musicais, mas certamente devido a este novo flamenco, foi possível atingir um público maior e mais jovem, dentro e fora da Espanha.

A cantora Concha Buika, recebeu duas indicações para o  Grammy Latino de 2008, como “Álbum do Ano” e “Melhor Produção” por seu quarto álbum, Niña de Fuego.

Nos dias de hoje, Rosalía, nome indiscutível da cena musical internacional, é o ápice da representatividade das fusões flamencas, fazendo questão de inserí-lo como sua marca registrada em sua discografia.

Com as fusões musicais também nasceram as mais diversificadas fusões na dança que, por sua vez, foram incorporando técnicas de outras danças ao flamenco propriamente dito como, por exemplo, a dança contemporânea.

Numa linha mais tênue, e provavelmente fazendo parte essencialmente do flamenco fusion musical como linha de expressão, a dança flamenca muitas vezes se adequa a músicas fusionadas sem utilizar-se necessariamente das técnicas corporais do outro estilo e nestes casos, apesar de ser considerada fusion, apresenta aspectos puramente flamencos.

Basta ver vídeos antigos e atuais, ou até mesmo ouvir os áudios fazendo uma comparação, para perceber claramente o quanto o flamenco se desenvolveu e se rebuscou.

Como o flamenco certamente seguirá crescendo, os flamencos puristas, modernos e os artistas das fusões seguirão nos presenteando com novos trabalhos, que nos surpreenderão. Aguardamos ansiosos!

JUERGA FLAMENCA

A tradução da palavra “juerga” para o português é FARRA e, sendo uma palavra bastante comum na Espanha, uma juerga é aquela noitada com os amigos, a famosa balada.  

Quando usamos a expressão “juerga flamenca” falamos de um encontro onde há canto, música e dança, ou seja, uma “farra flamenca” que começa e não tem hora para acabar.

Por característica, elas podem acontecer em qualquer lugar, num bar, na rua, numa praça ou na casa de alguém e, como ambiente flamenco, acontece de forma descontraída e espontânea.

As juergas são comuns entre os flamencos e nas famílias flamencas, quando se juntam pessoas que cantam, dançam e toquem a guitarra (violão) mesmo que sejam amadores.

É importante frisar novamente que, pela sua natureza, as juergas flamencas não são apresentações formais, não tem figurinos, nem uma estrutura pré-estabelecida como vimos anteriormente em outros ambientes. Nestes encontros uma essencial característica do flamenco impera e se destaca: – a improvisação através da comunicação entre a dança, a música e as palmas.

Os flamencos, além de seus instrumentos, também tocam as palmas, elemento de extrema importância nesta linguagem, que se comunica diretamente com o baile e a música, e que tem um papel fundamental de assegurar o ritmo para que os outros elementos possam ficar mais livres. Um bom palmero dá brilho, volume e realce ao que acontece na dança e na música.

Por reunir profissionais, amadores e aficionados (amantes do flamenco), este ambiente ganha vida com palos mais específicos e menos jondos (profundos) nos quais há mais rotatividade na dança e nos cantes, como, por exemplo, as bulerias e os tangos que são palos (estilos) com características mais festeiras. Como não há roteiro, cada um entra e sai quando sente o ímpeto e o bailaor faz uma espécie de micro baile conhecidos na linguagem flamenca como “patada”.

Embora este ambiente flamenco seja mais democrático e informal, para entrar nela, em geral, dependemos de um convite ou uma abertura para fazer parte. Fazendo um paralelo com uma roda de samba brasileira, não chegamos nela e saímos tocando cavaco como se não houvesse amanhã, não é mesmo? No samba, a dança é periférica e acontece ao redor da roda, porém no flamenco, diferentemente de samba, os dançarinos fazem parte da música e, portanto, estão dentro da roda tocando palmas.

As juergas podem ser mais difíceis de serem presenciadas por não serem um show e por não dependerem de público para que aconteçam. Não é possível comprar um ingresso para ver uma juerga já que estas acontecem espontaneamente e não tem lugar ou espaço definido.

É possível que o ambiente das juergas seja o mais próximo da natureza das artes urbanas dentro da linguagem flamenca mas é necessário ter a sorte de estar na hora certa, no lugar certo.

FLAMENCO URBANO

Novos ambientes com paisagens peculiares vão surgindo no horizonte.

Se antigamente havia uma preocupação em adequar os espaços para que eles tivessem uma estética mais flamenca (fundo com mantóns, por exemplo), hoje em dia se assume que o flamenco faz parte de uma cultura viva e em desenvolvimento e pode acontecer em qualquer espaço, sendo a arte do artista o elemento principal e pitoresco que se diferencia da paisagem.

Partindo da reflexão sobre o conceito de arte urbana, o Flamenco como linguagem já apresenta características da arte urbana em seu caráter espontâneo. Isso lhe permite acontecer em qualquer lugar com pessoas que conheçam a linguagem, podendo estar ou não vinculada ao seu entorno.

O flamenco ganha vida como uma arte urbana quando um pequeno grupo se reúne nas praças, no terraço do bar ou nas calçadas para tocar, cantar ou dançar ou quando pequenos tablados móveis são levados à determinados pontos da cidade e os artistas flamencos se apresentam nas ruas.

Diferenciando a reunião da apresentação entram as preocupações com o entorno, a estética flamenca e a colaboração financeira do público. Nas reuniões improvisadas a roupa é cotidiana, não há nenhum combinado prévio e não há intenção de apresentação. Isso quer dizer que não há preocupação com roteiro, duração ou figurino, nem há necessidade de alcançar um público.

Já as apresentações de rua têm a preocupação de chamar a atenção do público, tem começo, meio e fim, apresentam uma estética mais característica e recolhem doações no final. Vale ressaltar que as apresentações de rua estão sujeitas a fiscalização e muitas vezes são interrompidas por serem ilegais.

Um ponto importante a ser compreendido sobre o Flamenco Urbano é que ninguém anda pelas ruas e decide ver o flamenco acontecendo na esquina por onde passa. Como dito antes, o flamenco acontece num encontro espontâneo ou é levado até o público pelo artista. Nas artes urbanas você não vai ao encontro da arte. Você sai de casa e, quando nem imagina, é surpreendido por ela.

Na atualidade, podemos encontrar diversos materiais que utilizam a expressão Flamenco Urbano como termo, apresentando certas nuances trazidas das ruas para o cenário através de figurinos casuais e cotidianos utilizados em montagens coreográficas flamencas. Desta forma, automaticamente há uma sugestão de um flamenco mais moderno e atual através do seu visual. Porém, como diria o ditado espanhol: – Ojo, que la vista engaña” (olho, que a vista engana). Em muitos casos o figurino casual é apenas o mesmo flamenco, como se fosse o flamenco com vestido “de lunares” (de bolas) mas com uma roupagem diferente.

Mais do que outra estética, há outros casos em que a roupa cotidiana (ou diferenciada do tradicional) é conceitual e condizente com a modernidade e atualidade da dança flamenca como é o caso da obra que nos apresenta Rocio Molina no filme Flamenco Flamenco – de Carlos Saura.

Rocio Molina no filme Flamenco Flamenco de Carlos Saura

Com as redes sociais e os telefones celulares, temos cada vez mais fotografias e vídeos registrando os momentos espontâneos e as apresentações flamencas pelas ruas como arte urbana nos dando uma dimensão mais realista daquilo que acontece em várias partes do mundo, dando mais visibilidade à arte e aos artistas que levam suas expressões até o público.

Boa parte dos materiais que vemos nas pesquisas sobre Flamenco Urbano são musicais e trazem  uma interação entre o flamenco e outros estilos musicais que o distanciam do conceito geral de arte urbana por definição. Porém, há outra expressão (e com ela um determinado conceito) chamada “flamenco fusion”, que surgiu na década de 80, e que aparece em diversos contextos conectado ao conceito de Flamenco Urbano, relacionado aos trabalhos primeiramente musicais que se tornaram muito populares – desenvolvidos por artistas que dedicaram seu interesse em estabelecer ligações e relações entre o flamenco e outros estilos de música, e que hoje também é uma expressão e conceito aplicado a fusão da dança flamenca com outros estilos de dança.

Em qualquer ambiente flamenco esta arte se faz a partir do encontro, seja o encontro consigo, com a dança, com a música, com os artistas ou com o público.

Nas ruas, quando essa arte te encontra, ela te encanta e transforma (tanto o artista, como o passageiro) porque como arte viva, por sua natureza, tão efêmera quanto um sonho. em um instante será apenas uma memória.

Cylla Alonso

ARTE URBANA

por Cylla Alonso

Para falar sobre a expressão flamenco urbano, nosso próximo artigo da série AMBIENTES FLAMENCOS, é necessário falar primeiramente sobre a arte urbana.

  • A arte, em si, é uma manifestação universal do ser humano exposta através de uma atividade artística, temporal ou atemporal, que expressa um conceito relativo a uma idéia, sociedade, época, costumes ou determinada cultura.
  • Urbano é tudo aquilo que pertence à cidade, que tem aparência de cidade ou a ela se refere.

Como conceito, a arte urbana, também conhecida como arte de rua, engloba diversas expressões artísticas (como a dança, a música, a poesia e a pintura) que acontecem e interagem com um espaço público e cuja produção frequentemente desafia as estruturas legais, estando frequentemente relacionado a subculturas ou contraculturas dos mais diversos tipos.

O termo Arte de Rua, street art, em inglês, surgiu nos Estados Unidos, na década de 70, caracterizando artes efêmeras que aconteciam na cidade, sujeitas ao tempo, as pessoas, à ilegalidade e às dinâmicas imprevisíveis da cidade.

Como um movimento underground – que significa subterrâneo, em português, sendo um termo usado para designar uma cultura que foge dos padrões validados pela sociedade em geral ou se refere um ambiente com uma cultura diferente, que tem sua própria moda e geralmente não está na mídia – a arte de rua foi gradativamente se constituindo como forma do fazer artístico, abrangendo várias modalidades, principalmente de grafismos .

Termo contemporâneo para um conceito antigo

Apesar da modernidade que possa trazer a expressão nos dias de hoje, o conceito da arte que ocorre na rua, historicamente existe desde os tempos mais antigos. Rapsodo era o Poeta popular, ou cantor, que ia de cidade em cidade recitando poemas épicos, cujo canto parece sintetizar os acentos mais sensíveis a seu povo. A arte alcançava as ruas desde a Grécia pré-socrática em que os aedos homéricos (cantores) transmitiam os seus versos e as suas músicas pelas ruas. 

Arte Urbana x Arte Pública.

Importantíssimo ressaltar que a arte urbana não é igual a arte pública.

Embora ambas utilizem os espaços localizados na cidade, diferem principalmente na legalidade e na estrutura. A arte urbana é ilegal e, portanto, está sujeita a ser removida de um momento para o outro tornando-se efêmera. Por outro lado, a arte pública é legalizada, faz parte dos planos do Estado, é contratada e recebe manutenção para seu planejamento, execução e distribuição.

Flamenco na Arte urbana

Partindo da reflexão sobre o conceito de arte urbana, o Flamenco como linguagem já apresenta características da arte urbana em seu caráter espontâneo. Isso lhe permite acontecer em qualquer lugar, na paisagem da cidade, com pessoas que conheçam a linguagem, podendo estar ou não vinculada ao seu entorno.

Saiba mais no artigo: Flamenco Urbano

PEÑA FLAMENCA

A palavra “peña” significa agrupamento, reunião, grupo. Aplicada ao flamenco, aparece pela primeira vez em Granada.(Fonte: “Fundación de la Peña de la Platería”, que afirma ser a primeira a surgir, em 1949).

“Tudo começou como começam as grandes obras que perduram no tempo: quase sem querer”.

Jerónimo Roldán Pardo

Assim inicia a palestra sobre a história das peñas flamencas de Andalucía, Jerónimo Roldán Pardo, em 2012, realizada na XII Semana Cultural “Memorial Pepita Caballero”, organizada pela Asociación Cultural Flamenca, e disponível no youtube.

Originalmente, a peña flamenca surgiu como uma reunião de aficionados, interessados e admiradores da arte flamenca, que se encontravam informalmente para falar sobre os artistas desta arte, as músicas e performances dos mesmos, assim como para fazer flamenco e sobretudo praticar o cante, mote principal destas reuniões.

Segundo Pablo Parilla González, também palestrante do mesmo evento, o interesse por descobrir um flamenco em estado primitivo, sem contaminação alguma, em reuniões feitas por intelectuais, curiosos, estudantes, burgueses, turistas, pessoas de diversas índoles em busca de uma arte única, também teria sido uma das motivações do nascimento das peñas.

História

Não haveria dados do por quê se adotou o nome “Peña”, mas à época do seu surgimento, a rejeição de uma parte da sociedade ao flamenco era evidente, sendo até então uma arte executada com poucos recursos em locais simples como teatros, “plazas de toros” e cinemas de verão, através de espetáculos que eram conhecidos como “óperas flamencas”, entre 1.920 e 1.955.

O flamenco, por ser executado por “el pueblo llano” (pessoas simples de origem humilde), era considerado pela cultura oficial uma música menor. No regime de Franco(1.936/1.975), foi utilizada para criar um estereótipo musical que se denominou “españolada”, o qual serviu para que uma parte da sociedade fosse contra ela, talvez também por oposição a esta ditadura, colocando no mesmo saco o flamenco “de verdade”.

No final dos anos 50 surgem os festivais flamencos. Como embrião do surgimento das peñas estão as tertúlias flamencas situadas nas províncias de Málaga, Granada e Sevilla. Seu nascimento vem substituir em grande parte aos clássicos lugares de celebração destes rituais de cante, toque e baile, que estavam ficando relegados ao esquecimento.

Os locais onde se faziam as reuniões informais passaram a ser chamados de bar (palavra de origem inglesa), e ao se popularizarem, em algum momento alguém resolveu colocar o cartaz: “se proíbe el cante”, como se o cante fosse algo passível de se proibir. Os demais estabelecimentos passaram a imitar este comportamento, e o flamenco perdeu seu local natural de reunião. A princípio era feito também por cantaores aficionados que se reuniam nesses bares.

Peña Torres Macarena

A “Peña Torres Macarena”, de Sevilla, por exemplo, procede de reuniões de cante que se faziam na oficina de um ceramista. As “peñas” e os “peñistas” portanto seriam fruto de uma grande injustiça cometida contra uma arte que é celebrada e admirada em todos os cantos do mundo, e começaram a surgir ao não haver mais a possibilidade de reuniões nestes locais entre aficionados para falar sobre flamenco, assim como fazer.

Um artesão “platero”, aficionado ao flamenco, Manuel Salamanca, reunía um pequeno grupo de aficionados em sua pequena oficina. Todos os sábados, terminando os trabalhos, se reuniam sentados em uma mesa com vinho e petiscos de bacalhau, comentavam os estilos e as letras de músicas flamencas, e todo aquele que pudesse cantar, era escutado com respeito. Esse teria sido o embrião das peñas flamencas. No final da década de 60, um grupo de aficionados decidiu criar a “Peña Fosforito”, e posteriormente fundaram a “Peña flamenca La Plateria”, sendo registrada como associação sem fins lucrativos. Já existia outra peña flamenca registrada oficialmente desde 1958, “Juan Breva de Málaga”, que também reclama o título de ser a mais antiga.

A peña se tornou então uma reunião de aficionados, independente e paralela aos grandes circuitos, com uma proposta de consumo interno e fechada em grande medida a quem era de fora. Muitas tiveram lugar em zonas periféricas das grandes cidades, onde eram formadas por pessoas chegadas de zonas rurais ou de bairros tradicionais destas cidades. Serviram, além de reunião de aficionados em torno a arte, de instrumentos de construção de novos vínculos sociais então inexistentes, possuindo um forte componente de identidade local, convertendo-se em um ponto de encontro, sobretudo de vizinhos.

Pouco a pouco foram se tornando centros culturais, entidades formalizadas, encarregadas e responsabilizadas da conservação, promoção e difusão da arte flamenca, com estatutos pelos quais se regem e perante os quais assumem estes compromissos.

O ambiente das Peñas Flamencas

Suas sedes se constituem muitas vezes de decorações típicas andaluzas, personalizadas nas cadeiras e mesas coloridas, paredes revestidas de fotos dos artistas que ali já pisaram ou que são homenageados. Em muitas delas se promovem aulas de cante, toque e baile, assim como se busca incentivar novos artistas, abrindo o espaço para apresentações e concursos.

Peña La Platería

Na Espanha, algumas são mantidas pelos sócios, outras vezes recebem subvenções governamentais, sendo queixa de alguns a politização destes estabelecimentos, ás vezes utilizados em benefício de algum político local. Também se outorga como missão destas peñas manter a “pureza” do cante flamenco, buscando realizar recitais de cante com o acompanhamento de guitarra flamenca.

Em 1977 se criou em Sevilla a primeira “Federação de Peñas flamencas de Andalucía” e posteriormente se criou a confederação, em 1985, em Málaga.

No total existem 350 peñas federadas na região de Andaluzia. Mais de 50% dos festivais flamencos são organizados por peñas flamencas. Elas estão presentes em diversos países além da Espanha, como Alemanha, França, Itália e Suécia, entre outros, o que demonstra a universalidade desta arte, e como ela se estabeleceu como patrimônio imaterial da humanidade.

CUEVA FLAMENCA

O que é Cueva?

Na definição do dicionário, a palavra cueva é traduzida ao português como caverna ou gruta.

Este tipo de local, como o nome sugere, é uma espécie de escavação subterrânea, muito comuns no Sul da Espanha, que primeiramente foram utilizados como proteção contra o mal tempo antes de se tornarem refúgios durante as perseguições políticas e religiosas.

As cuevas se tornaram casas familiares e algumas delas (as que traziam em seu núcleo a cultura flamenca), se tornaram também um local de apresentações onde era possível ver o flamenco em seu seio, com artistas da mesma família, tornando a experiência bastante específica e intimista. À estas cuevas denominamos cuevas flamencas.

MUSEO DE LAS CUEVAS DE SACROMONTE

Com o estabelecimento das cuevas flamencas como um ponto de referência artístico onde os shows de flamenco acontecem, estes espaços passaram a atrair turistas de todas as partes do mundo.

Na atualidade, ainda que possamos encontrar algumas cuevas tradicionais em Andalucia, centradas na arte de mesmo núcleo familiar, a maioria delas tem um quadro de artistas fixos e recebe outros artistas flamencos, semelhante aos tablados.

As cuevas, como os tablados, podem estar associadas a uma experiência gastronômica, porém guardam em si um ambiente ainda mais próximo ao público pelo “desenho artístico” particular.

Flamenco mais próximo do público

Ao invés da relação entre palco e platéia, que vimos anteriormente nos ambientes flamencos da nossa série aqui no site da Casa em Si nos espetáculos de teatro e tablados, as cuevas nos oferecem o baile flamenco na área central do espaço. Isso quer dizer que os artistas estão no meio do público e sem uma frente definida.

CUEVA LOS TARANTOS

De certa forma, o ambiente que se estabelece é mais próximo das juergas, onde não há divisão público/plateia. Há público por todos os lados pois as cadeiras estão ao redor de onde a arte acontece. O bailaor ou bailaora dançam entre as pessoas numa construção mais “circular” e os músicos costumam ficar na mesma linha do público em cadeiras marcadas que possibilitam a interação entre eles e também com o baile.

Estilo de show flamenco

Enquanto estilo de show, é semelhante aos shows de tablado quanto a ausência de ensaio e os números solo de cada um dos bailarinos.

Como a dança flamenca possui comunicação ao vivo, esta “conversa” acontece da mesma forma em que nos comunicamos em um determinado idioma. O resultado depende da fluência de todos neste idioma. A estrutura geral do baile, os códigos de baile (determinados movimentos não-verbais que acontecem em lugares pré-determinados, inerentes à comunicação do corpo com a música), os alongamentos do cante, as rodas de acordes e outras ferramentas do flamenco, além do vocabulário, que permitem aos integrantes estabelecer um diálogo ímpar e por este motivo, mesmo que virmos o mesmo show, ele será diferente.

Obedecendo a linguagem flamenca os artistas marcam verbalmente a estrutura geral do seu baile (quantidade de letras e ordem do baile) com os músicos e se encontram no cenário.

São nestes momentos de diálogo que o flamenco se ilumina com momentos de autêntico improviso, sensibilidade e troca entre os artistas. O inesperado surge, o encontro entre a música e o baile vibra, e a naturalidade da arte faz tudo parecer fácil.

cylla alonso

Em São Paulo, a primeira Cueva Flamenca está na Casa em Si, num espaço artístico que remonta as cuevas espanholas tanto na decoração, quanto no caráter intimista e no diálogo flamenco. Fazer aulas, assistir um sarau, participar de um evento ou assistir apresentações neste ambiente é uma experiência única que te leva à uma viagem inesquecível à Espanha, sem sair de São Paulo.

TABLAO FLAMENCO

O termo “Tablao” se refere, primeiramente, ao lugar onde os shows flamencos acontecem em toda a Espanha, substituindo os antigos Cafés Cantantes durante os anos 60. Relacionado aos espaços onde o flamenco se desenvolve, o ambiente dos tablaos é um dos mais importantes e comuns, tendo muitos diferenciais quando comparado ao ambiente dos teatros.

Tablao em português seria traduzido como Tablado, que no dicionário significa uma estrutura de madeira elevada do chão, geralmente utilizada para algo público (como apresentações artísticas, bailes, etc), mas quando nos referimos ao tablado flamenco, nos referimos mais especificamente à um formato de show e uma forma de baile (que veremos à seguir) feitos em um ambiente bem específico.

O primeiro ponto importante a conhecer sobre este ambiente é que ele costuma se relacionar diretamente com a culinária espanhola. Na Espanha, a maioria dos tablados recebe turistas de todas as partes do mundo, oferecendo uma experiência cultural e gastronômica típica, através do conjunto criado pela dança e música flamenca, as “tapas”, as “copas” e os jantares. As “tapas” espanholas são aperitivos (petiscos) e as “copas” são os drinks.

Há tablaos flamencos em várias partes do mundo como ambientes específicos dedicados ao flamenco, mas é muito comum encontrar certos restaurantes e bares que acomodam seu espaço com tablado de madeira, adequam o seu menu, fazem um cenário reservado e colocam cadeiras especialmente para que as apresentações de flamenco aconteçam.

Possivelmente, a diferença entre um estabelecimento que leva o nome de Tablao Flamenco e um bar ou restaurante que recebem a arte flamenca, é o protagonismo da arte. Nos tablaos, os garçons trazem seus pedidos antes e depois do show começar e dão prioridade para que o show seja visto e para que os artistas não sejam interrompidos. Nos bares e restaurantes, em geral, a circulação de pessoas e o serviço também acontecem durante a apresentação.

Contando com a recorrência de shows, na Espanha, você pode ir a um tablao semanalmente e ali vai ver um artista diferente ou você pode acompanhar seu bailaor preferido em diferentes tablaos.

Este ambiente flamenco reúne músicos e bailarinos profissionais e costuma ter rotatividade dos convidados e até mesmo dos próprios artistas fixos. Comumente, a composição de artistas varia muito, mas, em geral, temos 2 ou 3 artistas do baile, 1 ou 2 guitarristas, 1 ou 2 cantaores e um bailaor convidado. Chamamos a esta composição de quadro flamenco.

Embora não disponha de cenários diferenciais ou dos efeitos especiais do teatro, a maioria dos tablados hoje em dia tem uma pequena iluminação de show, e contam com uma estética singular na disposição dos artistas onde os mesmos ficam no fundo do palco, em suas cadeiras ou em pé, e os bailaores ocupam a área central quando entram para bailar.

Sendo um ambiente, mas tornando-se uma referência específica de um determinado estilo de show, uma das principais características dos shows de tablado é a ausência de ensaio. Devido à rotatividade, os artistas muitas vezes não sabem com quem irão trabalhar naquele dia. Antes do início do show, marcam verbalmente a estrutura geral do seu baile (quantidade de letras e ordem do baile) com os músicos e se encontram no cenário.

Vocês devem estar se perguntando:

– Como funciona sem ensaio e ao vivo?

Através da linguagem flamenca.

A reposta é simples, mas por detrás dessa simplicidade tem um mundo de conhecimento. A dança flamenca possui comunicação ao vivo e entender esta comunicação é como entender a parte gramatical inerente à arte flamenca.

Existem diversos códigos de baile (determinados movimentos não-verbais que acontecem em lugares pré-determinados, inerentes à comunicação do corpo com a música) que permitem “avisar, indicar ou dialogar” sobre a forma de cada uma das partes e também sobre as “costuras” entre uma parte e outra.

A estrutura do cante também varia, dialogando com o bailarino em momentos pré-determinados, e a guitarra vai dando tonalidades e matizes diferentes, como instrumento de acompanhamento desta “conversa”, também podendo abrir diálogos em certos momentos, onde há predominância deste elemento.

São nestes momentos de diálogo que o flamenco se ilumina com momentos de autêntico improviso, sensibilidade e troca entre os artistas. O inesperado surge, o encontro entre a música e o baile vibra, e a naturalidade da arte faz tudo parecer fácil.

Já disse Mario Maya, bailaor e coreógrafo: “Flamenco não é força bruta, mas sensibilidade; não é virtuosismo fácil, mas graça inesperada. O difícil da arte é fazer com que pareça fácil, inexplicável … e indefinível” (Mario Maya).

Se você quiser saber mais sobre o flamenco e seus diferentes ambientes, confira a nossa página de artigos e siga conosco para acompanhar as novas publicações aqui no site da Casa em Si.

Cylla Alonso

OBRA FLAMENCA / ESPETÁCULO FLAMENCO

Nesta sequência de artigos onde falo sobre os ambientes por onde o flamenco circula, começaremos pelos teatros, um dos ambientes tidos como consagrados para a dança, a música e o flamenco, juntamente com os anfiteatros e os grandes festivais onde estreiam e circulam o que chamamos de obras ou espetáculos flamencos.

Quando o flamenco acontece num contexto de preparação e montagem, ele entra no mundo das artes cênicas, preservando suas características de linguagem de música e dança indivisíveis, já que o próprio bailarino é um percussionista e já que a dança e música acontecem ao vivo.

ARTES CÊNICAS

Arte Cênica é o conjunto de preceitos para o estudo e a prática da representação e a dramatização, seja no teatro, na dança,  na música, ou em qualquer ambiente de manifestações artísticas (circo, ópera, etc). É uma forma de arte apresentada em um palco , lugar destinado aos artistas, onde acontece uma apresentação com um segundo espaço para a platéia onde ficam os seus espectadores. Assim, esta forma de arte pode ser feita onde possam ser concebidos estes dois espaços: palco e platéia.

Quando as artes cênicas vão para o ambiente do teatro, contam com diversos recursos, como veremos a seguir. No caso do flamenco, ganham o nome de obras flamencas ou espetáculos flamencos. Em geral, estes espetáculos são previamente construídos para se destinarem à este ambiente como um espaço específico de apresentação que difere dos demais pelas suas caraterísticas.

 Mas, quais seriam essas características?

O TEATRO COMO AMBIENTE FLAMENCO

Estas obras são executadas por artistas profissionais, com um sentido de começo, meio e fim, cujo contexto é enriquecido pelo ambiente do teatro, que dispõe de vários recursos como luzes, gravações, efeitos especiais, cenários, figurinos e um roteiro com amarrações entre números que seguem um contexto ou que contam uma história (ou várias pequenas histórias, dependendo do caso). Por este motivo, os espetáculos exigem um desenvolvimento prévio em várias áreas e uma equipe maior na pré-produção e produção, contando com equipe técnica, além de artística, para desenvolver o espetáculo como um todo.

Como estes espetáculos são montados, há uma diversidade de papéis e de trabalhos por trás da obra que vemos ao vivo. Há um elenco, coreógrafos, arranjadores, diretores, produtores, técnicos e compositores que cuidarão de montagens coreográficas, montagens musicais, montagens cênicas, costuras entre as cenas, mudança de cenários, criação dos mapas de palco, luz e som construídos previamente para que funcionem como um conjunto.

Diferentemente do Ballet Clássico que tem seus ballets de repertório constituídos, onde diferem os intérpretes e se mantém a coreografia, o figurino, as cenas, a música, etc, o flamenco apresenta alguns títulos de obras consagradas como Carmem e a Casa de Bernarda Alba que costumam ser remontadas por diferentes artistas fazendo com que a mesma história tenha muitas interpretações.

Embora as histórias sejam clássicas, possivelmente a maioria das obras flamencas sejam de alguma forma autorais por imprimirem a visão particular do(s) artista(s) que faz a montagem.

É importante não confundir as obras flamencas com os espetáculos de final de ano, onde alunos que praticam flamenco junto com as suas atividades comuns se apresentam. Estas apresentações são espetáculos por se apresentarem no espaço teatral e utilizarem os recursos do mesmo, mas são diferentes dos espetáculos profissionais, cujo elenco tem formação profissional e a arte como sua profissão, tendo esta atividade como sustento de vida através das apresentações, dos patrocínios e prêmios.

Embora o flamenco seja uma forma de arte cênica não verbal, a dança e a música caminham juntos ao vivo, e podemos encontrar com certa frequência a dança teatro, principalmente nas obras flamencas, trazendo a bagagem e atribuições do próprio teatro como linguagem de arte somadas à dança.

A DANÇA TEATRO

O conceito de “Dança Teatro” surgiu na Alemanha, no Folkwang Tanz-Studio, criado por Kurt Jooss no final da década de 20 e ganhou notoriedade a partir da década de 70, tendo na figura da coreógrafa alemã Pina Bausch seu principal expoente. Outro nome importante foi o de Rudolf Van Laban – considerado o “pai” da dança-teatro. Dança teatro combina: dança, canto, diálogos, uso de personagens, cenários e figurinos;

Um exemplo marcante e atemporal de dança teatro é a obra Carmen, trazida algumas vezes para o Brasil pela companhia de Antonio Gades, que fez turnê por cinco capitais brasileiras em 2019.

Boa parte das obras e espetáculos flamencos espanhóis tem sua estréia nos festivais de interesse como o Festival de Jerez, a Bienal de Sevilha e a Suma Flamenca de Madrid.

ESPETÁCULOS FLAMENCOS BRASILEIROS

No Brasil, algumas companhias e grupos apresentaram importantes espetáculos no decorrer dos últimos 40 anos, muitas vezes produzindo por sua própria conta. Porém é importante ressaltar que com a pandemia e a aprovação do auxílio da Lei Aldir Blanc, o número de espetáculos cresceu num prazo de tempo histórico para a arte em geral. Numa temporada impeditiva para o presencial, muitos espetáculos e obras foram selecionados, elaborados e apresentados com transmissão online ou gravados para apresentação digital entre 2020 e 2021.

Com essa produção de espetáculos na pandemia brasileira entendemos (através de números e estatísticas) que somente a soma da regulamentação das artes com as leis de incentivo, permitem que os artistas possam produzir arte e efetivamente entrega-las ao público, utilizando a verba da cultura ao que ela realmente se destina: viabilizar arte acessível para todos.

Muitos brasileiros nunca entraram num teatro e boa parte, senão a maioria, não frequenta teatros. Quantos espetáculos flamencos foram vistos e quantos poderiam ser vistos por centenas de pessoas através das políticas culturais?

Há muito flamenco por descobrir, ver e ouvir e encerro este artigo lembrando que: – Onde há paz, há cultura e onde há cultura, há paz (Nicholas Roerich).

Show Buttons
Hide Buttons