Dia Internacional do Flamenco – 16 de novembro

Dia Internacional do Flamenco é comemorado em 16 de novembro. Isso porque em 2010 a UNESCO reconheceu o flamenco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, oficializando sua relevância histórica e cultural.

A data foi estabelecida com o objetivo de preservar, promover e celebrar essa forma de expressão artística tão rica e multifacetada. Esse reconhecimento oficial do flamenco pela UNESCO reforça o valor desta arte não só para a cultura espanhola, mas para toda a humanidade.

Para toda a humanidade? Poucas pessoas sabem que esta arte saiu para o mundo e nele se expandiu de forma admirável levando o flamenco para outro patamar cultural fora da Espanha, em países como no Brasil, E.U.A e Japão, por exemplo.

O processo de oficialização desta data se deu na Quinta Sessão do Comite Intergovernamental da UNESCO (5.COM) , ocorrido em Nairobi, Quênia,  de 15 a 19 de Novembro de 2010 (Fifth Session of the Intergovernmental Committee (5.COM) – Nairobi, Kenya, 15 to 19 November 2010).

De acordo com a decisão do comitê intergovernamental, cuja agenda continha a avaliação das candidaturas para inscrição em 2010 na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, a Espanha nomeou o Flamenco para inscrição nesta lista por uma série de fatores, concatenados em trechos livremente traduzidos e que trazemos abaixo:

“Flamenco é uma expressão artística que funde canto (cante), dança (baile) e musicalidade (toque). A Andaluzia, no sul de Espanha, é o coração do Flamenco, embora também tenha raízes em regiões como Múrcia e Extremadura. (…) O flamenco é executado durante festivais religiosos, rituais, cerimônias religiosas e em celebrações privadas. É a marca de identidade de numerosas comunidades e grupos, em particular da comunidade étnica gitana, que desempenhou um papel essencial no seu desenvolvimento. A transmissão ocorre através de dinastias, famílias, grupos sociais e clubes de flamenco, todos desempenhando um papel fundamental na sua preservação e divulgação.”

E ainda, seguindo esse documento, temos:

“Decide que, a partir das informações prestadas no processo de nomeação nº 00363, o Flamenco atende aos critérios para inscrição na Lista Representativa, conforme segue:

R.1: O Flamenco está fortemente enraizado na sua comunidade, fortalecendo a sua identidade cultural e continuando a ser transmitido de geração em geração;

R.2: A inscrição do Flamenco na Lista Representativa poderia aumentar a consciência sobre o património cultural imaterial, promovendo ao mesmo tempo a criatividade humana e o respeito mútuo entre as comunidades;

R.3: As medidas em curso e propostas demonstram os esforços concertados dos governos regionais, instituições, ONG, comunidades e particulares para garantir a salvaguarda do Flamenco;

R.4: A nomeação resulta da participação ativa e do compromisso das comunidades e dos profissionais individuais cujo amplo consenso é demonstrado pelo seu consentimento livre, prévio e informado;

R.5: O Flamenco está inscrito no Registo Geral de Bens Culturais da Região de Múrcia criado pela Direcção-Geral de Belas Artes e Património Cultural da Região Autónoma de Múrcia.”

Fonte: https://ich.unesco.org/en/decisions/5.COM/6.39

No Brasil, existe muito flamenco e a nossa história no flamenco que começa com imigrantes espanhóis, já conta com algumas gerações de flamencos brasileiros. Na Casa em Si contamos com eventos, palestras, vivências, artigos e aulas para que você conheça mais sobre esta arte. Vale a pena conferir também o impressindível trabalho de memória histórica do flamenco brasileiro no acervo da Peña Flamenca.

Nós, da Casa em Si, acreditamos que celebrar o flamenco se trata principalmente de oferecê-lo em sua natureza complexa e profunda, tratando-o realmente como uma linguagem artística muito específica e de constante diálogo entre a dança e a música, seja na sala de aula ou nos palcos, honrando também a expressão individual de sentimentos humanos universais (paixão, dor, alegria e resiliência).

E para além de uma data comemorativa, o Dia Internacional do Flamenco é também nosso convite para que você conheça a riqueza cultural que essa forma de arte oferece, afinal, à medida que o flamenco continua a inspirar novas gerações, ele reforça a importância dos coletivos culturais que seguem dando vida a esta arte no Brasil e no mundo.

Olé!!!! 

Lucero Tena – Castanholas

Lucero Tena: A Lendária Bailarina Flamenca e Sua Contribuição para o Reconhecimento das Castanholas

Lucero Tena é uma das figuras mais importantes no mundo do flamenco, não apenas como uma talentosa bailarina, mas também como uma virtuosa das castanholas. Sua habilidade e inovação no uso deste instrumento tornaram-se uma referência para as futuras gerações do baile flamenco. Neste artigo, exploraremos a vida e a carreira de Lucero Tena, destacando sua importância para o reconhecimento das castanholas no flamenco.

Primeiros Anos e Formação

Nascida em 1938, em Guadalajara, México, Lucero Tena começou sua jornada na dança flamenca desde muito jovem. Mudou-se para a Espanha para aprimorar suas habilidades e foi lá que encontrou sua verdadeira vocação. Ela estudou com mestres renomados do flamenco e rapidamente se destacou por sua técnica excepcional e profunda expressividade.

Ascensão e Inovação com as Castanholas

A verdadeira marca de Lucero Tena no flamenco veio através de sua maestria com as castanholas. Tradicionalmente usadas como instrumento de percussão na dança espanhola, as castanholas nem sempre foram vistas como essenciais no flamenco. No entanto, Tena revolucionou essa percepção com sua habilidade de sincronizar os sons rítmicos das castanholas trazendo uma nova dimensão ao flamenco.

Contribuições e Legado

Lucero Tena não apenas popularizou o uso das castanholas no flamenco, mas também elevou seu status a um nível artístico como concertista. Ela desenvolveu técnicas inovadoras, permitindo que as castanholas acompanhassem uma variedade de estilos das orquestras espanholas, bem como influenciou na forma de tocar distintos palos (estilos) flamencos, desde bulerías, até soleá. Seu trabalho também modificou a maneira de tocar as castanholas para baile quanto às matizes dos toques e segue inspirando muitos bailarinos e músicos a explorar e incorporar as castanholas em suas performances.

Importância de Lucero Tena nas Castanholas do Baile Flamenco

Sua inovação e maestria com as castanholas ajudaram a divulgar as castanholas como elemento musical (não somente no flamenco) e através do luthier, isto é, do artesão, José Tárrega Peiró, de Alacuás (Valência), que os fez os instrumentos, Lucero Tena se tornou uma marca de castanholas popularmente vendidas.

Lucero e José passavam horas conversando sobre a diferença entre o som baixo da mão esquerda, que é o acompanhamento, assim como som do direito e a sonoridades das diferentes madeiras.

“Devo muito a ele. Eu tinha um estojo que ele fez para mim com dez pares de castanholas. Por que? Porque de acordo com o trabalho que escolhi, tinha que ser maior para este trabalho, melhor para o outro, baixo para o outro. Eu não uso mais esses dez pares. Hoje não é mais o número seis, mas o número oito. Por que? Porque eu toco muito com orquestra e preciso de mais som. No entanto, há momentos em que entendo que a orquestra me cobre, mesmo dizendo que tenho muita força nas mãos e tudo, mas tudo tem seu limite. Luthier maravilhoso. Artesanato maravilhoso. Hoje”  Lucero Tena em entrevista para Masescena. https://www.masescena.es/entrevistas/lucero-tena-mis-castanuelas-son-mi-alma-hecha-ritmo/

Depois de Lucero Tena, as castanholas passaram a ser vistas e exploradas como uma peça percussiva complementar e mais complexa para o baile flamenco. Com sua popularização, as castanholas passaram a se desenvolver como instrumento e hoje contamos com vários tipos diferentes de castanholas que nos oferecem timbres diferenciados.

PS: Na primeira versão deste artigo desconhecíamos uma artista de grande importância na história das castanholas e editamos este artigo com informações mais precisas. Tivemos conhecimento disso através de uma grata e bem-vinda observação e correção histórica de Michelle Rischter (da Riatitá), estudiosa das castanholas que nos atentou sobre a importância da artista La Argentina (Antonia Mercé y Luque) na técnica do instrumento, que precede a Lucero Tena. Para complementar essa informação, compartilhamos aqui com vocês um link sobre esta artista: https://es.wikipedia.org/wiki/La_Argentina_(bailarina)

La Singla – Documentário

(Por Juliana Batista)

La Singla é uma lendária bailaora cujo nome ressoa profundamente no mundo flamenco. Neste artigo, exploraremos sua vida, carreira e o legado que ela deixou na dança flamenca.

Primeiros Anos e Descoberta do Talento

Nascida em 1948, em Barcelona, na vizinhança de Somorrosto de la Barcelotena, Antonia Singla Contreras enfrentou desafios desde cedo. Segundo conta-se, alguns dias depois de nascer ela foi acometida por uma doença (provavelmente meningite), o que levou a ficar surda.

Esse cenário inicialmente parecia ser um obstáculo insuperável para alguém destinado à música e à dança.  “La múa” ( apelido de infância de La Singla), no entanto, provou que sua determinação e paixão pelo flamenco a poderiam  fazer superar essa barreira.

Aos 12 anos de idade, ela começou a dançar, surpreendendo a todos com sua habilidade natural e sentido de musicalidade e ritmo, mesmo sem ouvir a música.

A importância de Somorrostro na vivência de La Singla

Aqui é importante sinalizar que o desenvolvimento deste talento se deu por horas e horas de treinos em frente ao espelho e também de recursos que ela encontrou para conseguir entender e, de alguma forma, ouvir o mundo à sua volta. Vivendo em Somorrostro, era comum vê-la observando com olhar atento aos dedilhados de guitarra e lendo os lábios para compreender as entonações das melodias.

Somorrostro era um bairro de favelas à beira-mar, habitado principalmente por ciganos. Esse ambiente multicultural e marginalizado proporcionou um terreno fértil para o desenvolvimento e a perpetuação do flamenco.

Carmen Amaya, outra grande lenda do flamenco, também nasceu neste bairro. “Los Tarantos”, um clássico do cinema flamenco e filmado em 1963, dirigido por Francisco Rovira Beleta, foi gravado neste cenário. Além de vermos Carmen desempenhando um papel importante neste filme, que é uma adaptação da história de “Romeu e Julieta” ambientada em uma comunidade cigana de Barcelona, também podemos ver a participação de uma jovem La Singla mostrando seu talento fora da curva. Foi durante as gravações que elas se conheceram e a própria Amaya dizia que La Singla seria sua sucessora.

La Singla rapidamente chamou a atenção no cenário flamenco de Barcelona e aos 17 anos, ela já se apresentava em importantes palcos internacionais, incluindo o famoso Teatro de la Zarzuela em Madrid.

E ao longo de sua curta carreira, ela teve a oportunidade de se apresentar com nomes como Paco Cepero, Paco de Lucía, El Lebrijano, Orillo del Puerto e Camarón de La Isla.

Os olhos de La Singla

Ainda que você não tenha ouvido falar sobre La Singla, muito provavelmente já deve ter se deparado com alguma imagem de seu rosto ao fazer pesquisa de fotos sobre flamenco. Seu olhar penetrante e concentrado por muitas vezes foi interpretado como um olhar que raiva, angústia ou de tormento, principalmente quando atrelado à uma bailarina surda.

Essa presença fotogênica, para além do talento ímpar para a dança, fizeram com que La Singla fosse uma inspiração/musa para artistas como Dalí e Miró.

Contribuições para o Flamenco

É indiscutível que La Singla trouxe uma nova dimensão ao flamenco. Ela incorporou elementos de suas experiências pessoais e culturais nesta arte. Por exemplo, a sensação sonora que um trem ou um carro andando lhe transmitia acabou sendo incorporada como musicalidade para seus bailes, inclusive criando o conceito de se bailar letras de alegrias.

Documentário “La Singla”, de Paloma Zapata

O documentário narra a busca por se saber mais sobre a história de Antoñita ‘La Singla’. Essa maneira de narrar os fatos recria o processo de Paloma Zapata, a diretora deste documentário, em busca da misteriosa La Singla. 

Sem sombras de dúvidas esse documentário nos transporta para outra realidade e nos dá um gostinho do que teria sido ver La Singla ao vivo. Um gostinho que nos tira o ar por tamanha beleza e potência das cenas exibidas, assim como nos faz ficar com os olhos marejados ao ver imagens atuais da bailaora, com a mesma força no olhar que tanto a caracterizaram.

Atualmente La Singla reside em Santa Coloma de Gramenet e já não é mais La Singla. É “apenas” Antonia – se é que isso é possível. Afinal, gênios, como essa incrível potência, transcendem qualquer denominação.

Legado e Impacto Cultural

A “aposentadoria” deste ícone, que saiu de cena aos 29 anos, é envolta de certos mistérios. Existem questões que envolvem problemas com a administração de sua carreira por parte do seu pai, assim como também é dito que sua saída de cena se deu por conta de problemas de saúde relacionados ao stress, depressão,  e até mesmo à tireoide.

O fato é que seu legado continua vivo através de gravações que podem ser encontradas no Youtube, por exemplo. La Singla mostrou que as limitações não podem impedir alguém de alcançar a grandeza e alegria de se fazer aquilo que se deseja, aquilo que está dentro do seu coração e alma.

Uma lição valiosa tanto no flamenco quanto na vida! Olé!

PEPITO Y PAQUITO

E o mundo flamenco vem com novidades para lá de especiais.

O flamenco não seria o que “É” sem Paco de Lucia, o imortal guitarrista que através de sua obra transcendeu o próprio flamenco e nos trouxe o que conhecemos hoje como a música flamenca contemporânea.

Pepe de Lucia, seu irmão é um cantaor que me emociona muitíssimo, mas eu não o teria conhecido sem ter me apaixonado pela linguagem de Paco de Lucia pois, aqui do outro lado do oceano, no Brasil, em um tempo nem tão remoto, sem internet e sem acesso tínhamos apenas um par ou dois de discos. Eles eram como ouro e neles adquiríamos mais do que música, aprendíamos flamenco e nos transformávamos pelas mãos de paco.

Por conta do talento de Paco, músicos de todas as áreas conheciam e seguem conhecendo este instrumentista e compositor que ganhou por mérito (e genialidade) a sua importância histórica inegável na música e no instrumento (que é a guitarra flamenca), fazendo história e transformações durante toda sua vida e vivendo mesmo após sua morte através da sua obra.  

Antes de serem conhecidos como Paco de Lucía e Pepe de Lucía, Pepito e Paquito, os irmãos Sánchez Gómez, eram prodígios do canto e violão cercados de arte e música começando uma vida na música. Em 2024, marcando uma década da morte de Paco, uma homenagem se transforma em um presente musicado para todo o mundo. A BMG, juntamente com a Fundação Paço de Lucía lançaram agora mesmo, em 2024, um resgate de 21 peças inéditas reunidas em uma obra carinhosamente chamada de “Pepito y Paquito”, que nos contam musicalmente como foram os anos e as evoluções de Paco y Pepe de Lucia, irmãos artistas que se transformaram em lendas do flamenco.

“Bulería Niño Ricardo” e “Me Falta la Resistencia”, os dois primeiros singles de Pepito y Paquito, são duas dessas gravações que antecedem seus primeiros trabalhos oficiais, quando assinaram como o duo Los Chiquitos de Algeciras em 1961. Gravados de forma rudimentar com um gravador Grunding da época, eles representam dois documentos sonoros que contêm um valor histórico incalculável.

Paco não hesitou em fundir o flamenco com outros estilos, do jazz à música clássica, sem perder uma profundidade inegável que respeitava uma tradição que conhecia do avesso. Soma-se a isso um domínio técnico que mudou a forma de tocar guitarra flamenca e, acima de tudo, uma inspiração que lhe permitiu desvendar emoções que transcendem peles e culturas. Uma visão única e capacidade de transformar formas e narrativas de um gênero universal. Através de notas e acordes tocados com elegância e compostura, ele marcou uma era de expansão flamenca para todos os tipos de latitudes e territórios sonoros.

Press releases DL MEDIA MUSICA

Para quem não tem muita intimidade com a sua trajetória e quiser fazer uma viagem pelos momentos imperdíveis da obra de Paco, recomendo que ouçam:

  • A Arte paco de Lucia
  • Solo quiero Caminar
  • Luzia
  • Castillo de arena
  • Potro de Rabia y Miel ( com Camarón, Paco de Lucia y Tomatito)
  • Ziriab
  • Siroco

Em seguida, embarquem no mundo das fusões e dos grandes encontros com músicos incríveis, repleto de transformação que surgiriam a partir deles:

  • Friday Night in San Francisco
  • The guitar trio
  • Paco De Lucia Sextet – Live… One Summer Night

Por último, e não menos importantes, a preciosidade do Cd Cositas mias e o novo Pepito y Paquito, recém saído do forno.

Deixaremos o link de Pepito y Paquito a disposição no spotfy da casa em Si para vocês: https://open.spotify.com/playlist/4SLrf7D9zPKJL7rrNAwMJl?si=1e03ddbe8d6b4812

Vida longa aos gênios que vivem através da sua obra!

Cylla Alonso

Flamenco é mais que a “cena”. É processo!

Ainda permeada pelos eventos do Projeto Tablas da Casa em Si e pelas trocas imensamente generosas com alunos, professores e artistas, trago este artigo pontuando o que está entre aquilo que as pessoas veem e aquilo que acredito que os flamencos poderiam viver e experimentar.

No artigo anterior, falo um pouco da arte flamenca como uma arte possível para todos que desejam aprendê-la como uma linguagem específica e quase como uma continuação, me embrenharei um pouco mais nos pensamentos sobre a utilização do flamenco “em si” para quem aprende e para quem já sabe, insistindo (como sempre) no viés na comunicação.

Talvez, algumas danças tenham em vista o condicionamento físico, outras a mera diversão ou o sonho da apresentação para uma plateia, mas o flamenco, em sua natureza, vai muito além disso, pois é sobre a vida, sobre seu momento, sobre essência, sobre o que você sente em determinado momento.

Se tratamos o flamenco como uma linguagem estamos falando de certos ambientes onde a troca ao vivo acontece, mas também é natural visualizá-la na “cena montada” dos ambientes mais teatrais, onde o diálogo passa a ter boa parte das suas falas marcadas (o que chamamos de convenções) deixando a linguagem impressa principalmente na própria montagem.

Para além da “Cena”, do estético e do coreográfico, flamenco como arte é principalmente uma forma de se comunicar, de perceber e ser percebido pelo outro, com mais ou menos profundidade, de acordo com o conhecimento da linguagem.

Fora do cenário e dos ambientes de apresentação, o flamenco existe. O antes e o depois das aulas, a juerga, o happy hour, os encontros… são nesses momentos onde a interação flamenca se torna mais apaixonante e desejada:

“- Canta um pouquinho! “

“- Faz a palma para eu te mostrar uma coisa! “

“– Ouve esta falseta! “

“– Olha este remate! “

“– Já ouviu esta letra? “

Tudo isso se trata de um acesso interno pautado no momento presente e no diálogo com o outro(s).

Mas, o que sabemos sobre a nossa própria voz? Até que ponto somos capazes de manter nossa voz estando com nosso canal de recepção aberto à voz do outro? É possível repensar sobre a nossa capacidade de escuta e de diálogo?

É difícil não parecer fora da realidade ao falar de uma arte com comunicação, ferramentas de ação, escuta e respeito ao processo contínuo, num mundo contemporâneo que se estabelece com milhares de problemáticas da individualidade na relação com o outro, com o marketing vicioso que oferece “aprenda o que deseja em 5 dias” ou “aprenda estrutura de baile sem convivência entre a dança e a música”, sem falar da felicidade digital efêmera que relaciona a exibição como prova de vida e sucesso.

Neste imediatismo, quem entra numa aula esperando saber se frustra e não aprende, pois invisibiliza o papel do professor, além de não estar no seu papel de aluno. Por outro lado, quem entra numa aula e sabe tudo, se encontra num lugar tão confortável que talvez não se questione porque estuda, aonde pouco ou nada, tem a lhe acrescentar.

Desde o momento onde nos tornamos conscientes do “não saber” se estabelece um caminho para o saber. Antes disso é impossível.

Flamenco é pura linguagem e, portanto, é comunicação! Assim sendo, o flamenco está no cotidiano do encontro e somente pode fazer parte da nossa realidade se compreendermos como linguagem.

Para chegar neste flamenco que descrevo é necessário entender primeiramente que o flamenco vai “muito além da cena”, da quantidade de coreografias aprendidas. Fazer flamenco não é apenas apresenta-lo, é viver esta arte na vida, em cada momento em que ela te serve como um instrumento para a sua expressão.

Desenvolver-se no flamenco deve produzir uma descoberta interna, uma evolução intensa e, mais do que isso, exercita o respeito pelo PROCESSO DE APRENDIZADO E INTERAÇÃO CONSTANTES, num mundo onde tudo tende a se tornar apenas um produto final pronto, rápido e descartável.

Quem compreende e respeita o processo, todo dia sai diferente, mais instrumentados, mais dono do seu saber, mais inquieto, aberto aos encontros e mais certo de que há um mundo interno por desbravar e um mundo externo por conhecer. Nestes casos, fazer flamenco pode chegar a ser um refinamento diário pessoal e social através da arte.

Quais os benefícios da dança flamenca

A dança flamenca é uma arte rica e expressiva que possui diversos benefícios físicos, emocionais e sociais para aqueles que a praticam. Aqui estão alguns dos principais benefícios da dança flamenca:

  1. Condicionamento físico: a dança flamenca é uma atividade aeróbica que envolve movimentos vigorosos e ágeis, o que ajuda a melhorar o condicionamento cardiovascular, a força muscular e a flexibilidade.
  2. Coordenação e equilíbrio: a complexidade dos passos e movimentos na dança flamenca exige uma boa coordenação entre os pés, as mãos e o corpo. A prática constante ajuda a melhorar a coordenação e o equilíbrio.
  3. Expressão emocional: o flamenco é uma dança altamente emocional e expressiva, permitindo que quem a pratica trabalhe também a  liberação de suas emoções e sentimentos através dos movimentos em si.
  4. Autoconfiança: aprender a dança flamenca envolve entender uma série de códigos que permeiam o baile, o cante e o palo, sendo que o estudo com base nesta construção metodológica, teórica e prática  ajuda a  aumentar a autoconfiança e a autoestima  de quem está estudando e praticando.
  5. Melhoria da postura: uma das características da dança flamenca é a necessidade uma postura ereta, o que pode ajudar a melhorar a postura geral dos praticantes.
  6. Fortalecimento das pernas e abdômen: ao longo da prática da dança flamenca, é possível observar um maior fortalecimento dos músculos das pernas e do abdômen.
  7. Consciência corporal: através da prática da dança flamenca, os dançarinos desenvolvem uma maior consciência do próprio corpo e dos movimentos que são capazes de realizar.
  8. Alívio do estresse: assim como qualquer forma de dança, o flamenco pode ser uma ótima maneira de reduzir o estresse e a ansiedade, proporcionando uma sensação de bem-estar e descontração.
  9. Socialização: participar de aulas de dança flamenca pode levar a conhecer novas pessoas e criar laços sociais, o que é benéfico para a saúde mental e emocional.
  10. Preservação cultural:  a dança flamenca é uma parte importante da cultura espanhola, e sua prática contribui para a preservação dessa forma de arte tradicional.

É importante lembrar que os benefícios da dança flamenca podem variar de pessoa para pessoa e dependem da dedicação, regularidade e intensidade da prática.

Se você estiver interessado em experimentar a dança flamenca, confira a grade de aulas de flamenco da Casa em Si e entre em contato conosco através do WhatsApp: (11) 98466-4866.

Flamenco – Linguagem Secreta ou idioma possível?

A coreografia flamenca está feita através da linguagem para uma apresentação, geralmente em grupo, porém, quanto da linguagem conhecemos e dispomos através dela, para utilizá-la individualmente em contextos de diálogo ao vivo pertinentes ao flamenco?

Muito inspirada pela Mini Maratona e Festa Granaína e, sobretudo, pelo papo no “AFTER” (depois) com alguns envolvidos, com trocas muito interessantes, resolvi trazer uma parte muito rica da conversa onde surge uma expressão muito interessante: LINGUAGEM SECRETA.

Essa expressão me pareceu traduzir essa terrível sensação, recorrente nos estudantes, de que o flamenco é inalcançável e para poucos, apesar da consciência de que ele está presente em todas as partes do mundo e é feito por amadores, profissionais e artistas de várias nacionalidades.

No corpo, um aquecimento, alguns exercícios técnicos necessários e lá vamos nós para o bom e velho aprendizado de coreografias. Na música, o aprendizado de um tema ou canção. Objetivo: treinar para uma apresentação.

Talvez esse processo seja muito eficiente nas outras danças e músicas, incluindo este flamenco para apresentação, mas ao pontuar singelamente uma característica intrínseca do flamenco que é a comunicação ao vivo entre a dança, a música e o ritmo, como acreditar que a cópia e memorização de passos, sequência de acordes ou letra poderia ser minimamente suficiente para que uma conversa se estabeleça?

Salvo o nível de conhecimento imposto pelo contato com o flamenco, como nos alunos iniciantes, poderia a qualidade do flamenco consistir em quantidade de material?

Muitos flamencos já bailaram vários palos, por exemplo, mas quando estamos numa festa e começamos a nos divertir, estes mesmos flamencos não bailam, não “palmeiam”(ato de tocar as palmas como um instrumento) e não tocam (outros instrumentos, ou seja, não participam) porque nunca palmearam para a música, porque nunca interagiram com o baile de outra pessoa, porque a letra para bailar não é a que eles sabem ou porque algo está diferente do que ele aprendeu.

É neste ponto da conversa que se estabelece uma espécie de consciência sobre uma realidade que divide aqueles que dominam aquilo que parece ser a linguagem secreta do flamenco (e que, por isso, podem usufruir dele para além da apresentação) e aqueles que não dominam esta linguagem e se tornam automaticamente espectadores nestas outras situações, pela ausência de ferramentas de interação e compreensão.

É neste momento que entendemos que, apesar da mudança atual que oferece em muitos lugares aulas de estrutura, palmas e improviso, musicalidade, etc., não é só uma questão de anunciar o flamenco como linguagem, senão de tratá-lo realmente como linguagem e concretizar esta realidade no outro.

A linguagem não está na plástica, na beleza estética ou na velocidade. Já diria Camarón de la Isla em sua celebre frase, que diz: “no Flamenco não há mais que uma escola: transmitir ou não transmitir.” Se você buscar a tradução de transmitir do espanhol para o português rapidamente no google, terá como resultado: comunicar. Mas como comunicar algo apenas a partir de um registro do corpo, sem considerar que os outros elementos (guitarra, cante, palmas, cajón) estarão interagindo ao vivo e devem entender o que estou comunicando, além de poderem influenciar mudanças, nuances e quebras deste registro corporal?

Do meu ponto de vista, o flamenco não é uma linguagem secreta e é possível aprendê-lo como um idioma. Talvez por acreditar nisso naturalmente a tantos anos eu tenha desenvolvido o método coreológico flamenco buscando trazer o que se considera intuitivo para um lugar concreto e possível.

E assim, com muita inquietude depois daquela conversa, quis estender o convite a reflexão de que aprender uma linguagem não se trata de “Aprenda mil palavras (passos ou músicas) em um dia!”, e sim de ter um repertório para estabelecer uma conversa com qualquer pessoa que a conheça.

Deixo aqui minha gratidão às pessoas que trocam comigo para além das aulas e eventos e deixo registrado com muito carinho neste artigo um agradecimento especial para uma querida aluna “bailante e pensante” (Claudia), que suscitou o brilhante paralelo do flamenco como linguagem secreta que me inspirou a escrever.

Flamenco – Realize o sonho em 2023

Existem muitos motivos que levam as pessoas a buscar o flamenco como atividade. Entre tantos motivos, três deles se destacam, estando sempre presentes ou sendo o elemento fundamental para essa escolha .

A ancestralidade espanhola

É tão comum ver esta procura ligada a ancestralidade espanhola na escolha do flamenco, como

a força flamenca

é muito comum a busca da “força” flamenca como identificação pessoal ou busca interna.

experiência pessoal

Em maioria, os alunos começam muito dispostos mas, ao constatar que esta arte é muito rica e exigente por ser uma linguagem, interrompem as aulas ao esbarrar nas dificuldades. Em geral, quem permanece são aqueles que se entregam à realização de um sonho, superam seus limites individuais, se apaixonam mais profundamente e vivem “palo a palo” o seu próprio crescimento.

FLAMENCO DE HOJE

Quem vê flamenco hoje não imagina o quanto este gênero mudou plasticamente e sonoramente para se consolidar com o formato atual. O baile flamenco necessita dos músicos para se consolidar como arte flamenca. Podemos dizer que houve uma espécie de revolução no acompanhamento ao baile e na concepção coreográfica deste nos últimos 30 anos. Paco de Lucia, maior expoente da guitarra flamenca e deste gênero musical de todos os tempos, já revolucionava com seu sexteto nos anos 80 e 90, com arranjos elaborados e repletos de convenções, arremates e frases rítmicas virtuosísticas, em conjunto com seu irmão Ramón de Algeciras na segunda guitarra, Rubem Dantas na percussão, Jorge Pardo na flauta, Carles Benavent no baixo e Pepe de Lucía, também irmão, no cante. Ao ouvir “Solo quiero caminhar”, para citar um exemplo, fica claro o quanto influenciaria outros músicos e bailaores/as(coreógrafos/as) nas composições e arranjos feitos para espetáculos de dança flamenca.

No baile, Antonio Canales, Eva La Yerbabuena, Sara Baras, Israel Galván, Joaquin Grilo (que também fez parte do sexteto de Paco) e Joaquin Cortés, entre outros, fizeram parte desta modernização na dança, tanto através de incorporações de outras linguagens corporais, teatrais e cênicas, quanto da música como sendo mais um elemento protagonista em cena. Convencionar com os músicos seus bailes se tornaria rotina, elevando o nível artístico das apresentações, através de muitos ensaios que propiciaram que a música estivesse sempre completamente atrelada ao movimento do corpo e percussão dos pés. Diferentemente do conceito de tablado, onde não há tempo para esta elaboração e a comunicação se dá diretamente através das estruturas de baile e códigos, nas montagens de espetáculos teatrais é possível combinar e marcar com os músicos cada detalhe, tornando mais complexo e rico tanto o baile quanto a música. Yerbabuena e suas montagens com seu marido e diretor musical, Paco Jarana, são uma fonte riquíssima da evolução flamenca no diálogo entre baile e música. Galván deslumbra com seu vanguardismo e ousadia.

 Joaquín Cortés, por exemplo, trouxe para o Brasil em 1.997 o espetáculo Pasión Gitana, descrito pelo caderno de cultura “Ilustrada”, da Folha de São Paulo, como “um show de dança flamenca que mistura técnicas do balé clássico, do jazz e da dança moderna”. Era considerado o bailarino espanhol de maior projeção internacional. Ainda segundo o próprio jornal naquele ano: “atualmente, diversos grupos de artistas espanhóis se inspiram em Cortés para produzir espetáculos de dança cigana fora dos padrões convencionais.” Era chamado de “flamenco fusion”, mas é interessante notar que  o artigo fala em dança cigana, atrelando o gênero ainda a estereótipos e folclore, sendo que na realidade é uma arte em constante evolução e mudanças de concepção, haja visto como se fazia antes e como se faz hoje. Cortés conseguiu de fato fazer uma espetacularização do flamenco, com uma produção autêntica de shows de rock, figurino de Giorgio Armani, uma companhia homogeneizada de 13 bailarinas com figuras esbeltas para uma determinada finalidade plástica em cena, e uma banda de 17 músicos, que exerciam suas funções com absoluta precisão cirúrgica nas convenções, quase tocando como se fosse uma trilha já pronta ´para ser executada. No entanto, mesmo com toda essa produção, é necessário ressaltar que quem arrancava mais aplausos e levantava o público era o seu tio, Cristóbal Reyes, que dançava um solo tradicional, por assim dizer.

Cada artista citado mereceria um artigo novo, e tem seu papel fundamental nesta nova concepção que surgia de se fazer flamenco. Mas o quê os unia além da necessidade de inovar e buscar seu próprio flamenco? A formação. Todos tiveram a formação “clássica” flamenca, passando pelas técnicas de pés e de corpo, dominando-as por completo antes de se embrenharem pela inovação através tanto de outras linguagens corporais quanto musicais. Todos bailaram muitos anos em “tablaos”. Todos podem ser vistos em vídeos mais antigos onde bailam com a forma tradicional de colocação corporal, executando de forma primorosa em limpeza e velocidade, fraseados rítmicos muito menos complexos do que fariam depois, mas que serviria posteriormente de referência para sapateados muito mais ricos e elaborados musicalmente. A comprovação da importância desta base sólida de técnica e conhecimentos de estruturas de baile e música, assim como seus códigos de comunicação, está justamente na transformação pela qual passaram, e que só poderia ocorrer em etapas. Não é possível, portanto, fazer o moderno sem conhecer e se aprofundar na tradição. Uma é consequência da evolução da outra, que só ocorre porque há além de artistas com suas inquietações, estes mesmos que outrora foram estudantes e alunos dedicados, e não deslumbrados. Portanto, seguimos como estudantes sempre, pois não há limites na busca de nossa própria identidade artística, que será tão mais rica quanto mais completa for.

A GUITARRA FLAMENCA E SUAS FACETAS

Quando falamos de guitarra flamenca, a primeira referência musical que nos vem a cabeça é Paco de Lucia, nome artístico de Francisco Gustavo Sánchez Gomes, nascido em 1.947 em Algeciras, sul da Espanha, em Andalucía, berço do flamenco. Falecido em 2014, deixou extenso legado à música. Graças a sua projeção internacional, de talento reconhecido desde os 11 anos de idade, Paco de Lucia elevou o instrumento chamado no Brasil de violão, a um patamar de altíssimo nível, influenciando o mundo inteiro, provocando a proliferação e projeção de artistas de altíssimo nível e alta performance. Depois de Paco, os violonistas flamencos, chamados de guitarristas flamencos na Espanha, nunca mais seriam vistos como músicos comuns, mas sim como extraordinários, devido a alta complexidade de execução e especialização que esta arte requer. O que poucos sabem ao iniciar seus estudos, é que dentro deste Universo existem três especializações possíveis, conhecidos como: guitarra concierto, guitarra para cante e guitarra para baile. Além, é claro, da especialização no ensino da mesma.

 O guitarrista de concierto é aquele que se dedica exclusivamente a sua carreira como solista. Para isso, precisa dedicar horas e horas de estudo diário tanto para o aperfeiçoamento e manutenção de sua técnica, quanto para a composição própria de suas músicas e produção de discos. Muitas vezes pode participar de concursos de guitarra flamenca, disputando prêmios, assim como realizar seus próprios shows, que podem ser acompanhados de outros músicos ou não. Com certeza é o trabalho mais solitário entre as três categorias, pois exige que o músico passe um tempo considerável em companhia apenas de sua guitarra. As técnicas específicas deste estilo possuem nome próprio em espanhol: razgueos, alzapuas, técnica de pulgar, tremolos, picados duros e picados al aire(punteo), devem ser executadas com limpeza, destreza, velocidade e precisão. Paco, que foi um maestro e gênio nesta área, se queixava que tocar o violão era muito difícil, mas ao mesmo tempo sua maior paixão. A agilidade com o instrumento e a capacidade do controle emocional e psicológico, que comprovam o domínio sobre o mesmo, aliados à criatividade, musicalidade e capacidade expressiva do artista, vão ser fundamentais para que este se destaque entre tantos outros que se dedicam ao mesmo ofício.

Já na guitarra para cante, os principais atributos serão outros. Acompanhar ao cante, no flamenco, significa tocar para o/a cantor/a, chamado de cantaor ou cantaora. Existem “salas de cante” na Espanha onde é possível sentar, tomar “uma copa”(uma bebida) e assistir a uma apresentação onde o guitarrista presente acompanha tanto a profissionais quanto amadores nesta arte. Para tanto, é necessário um profundo conhecimento dos estilos de cante, chamados de palos, assim como a capacidade de tocar em diversos tons, pois cada cantaor/ora terá sua preferência de tonalidade, assim como cada palo possui uma harmonização(quando colocamos os acordes na melodia cantada) específica, com regras muito rígidas e marcantes. Na maioria das vezes o guitarrista fará uso de um artefato chamado na Espanha de cejilla(no Brasil de capotraste), que se prende em uma das casas do braço do violão a fim de se adequar ao tom de quem canta. Em outros casos, o músico fará uma transposição de acordes, o que exige mais conhecimentos musicais. Os “toques” para cante podem variar muito em andamento, e exigem uma destreza do guitarrista para saber exatamente quando, como e onde deve tanto mudar de acordes, quanto subir ou baixar a velocidade da música, assim como saber quando arrematar(finalizar) corretamente a fim de não “atravessar” quem canta. Em resumo, o guitarrista tem como objetivo estabelecer uma diálogo coerente e rico com o cante, assim como ponderado, pois o destaque nessa arte se dá sempre a quem canta.

 Em uma apresentação de dança flamenca, é fundamental que tenhamos os 3 elementos que compõe esta manifestação artística: “cante, baile y toque”. Canto, dança e violão. A guitarra para baile vem a ser então uma síntese deste ofício, já que em diversos momentos o guitarrista tem a oportunidade de mostrar suas micro-composições através de falsetas(parte instrumental do baile, segundo o Método Coreológico Cylla Alonso), sua destreza e conhecimento dos palos acompanhando ao cante, e seu domínio rítmico da linguagem ao dialogar com o baile(a dança). Neste caso, o guitarrista precisa tanto estar com as devidas técnicas de “toque” em dia, quanto ter a capacidade de “ler” o que o bailaor ou bailaora estão comunicando através do corpo, assim como ser capaz de ouvir ao cante e acompanhar com os devidos acordes e o devido compasso. Deve conhecer os códigos de baile(chamadas, arremates , respiros, cierres) e as estruturas de baile possíveis para cada palo. Deve compreender as frases rítmicas dos pés, assim como saber trabalhar com estas frases em justaposição ou contraposição.  Mas deve acima de tudo, além de todo este conhecimento, ter a sensibilidade de atuar como mais um integrante da banda, e que tem como principal função fornecer um suporte sólido, porém maleável, a todos que estão atuando, servindo de referência a quem dança, que é quem realmente comanda a banda como um maestro, a quem canta e a quem faz as palmas e/ou toca o cajón. Esta sensibilidade, aliada ao conhecimento de seu ofício,  farão toda a diferença no final, para que se comprove a capacidade com que o músico acompanha e interpreta cada elemento deste quadro.

 E por fim, mas não menos importante, está o ofício de quem ensina esta arte. Ser um guitarrista habilidoso não torna ninguém um professor competente. È preciso método, visão, capacidade de empatia, muita psicologia e entender que cada um aprende em seu tempo. Respeitar as limitações e dificuldades dos alunos, porém sem subestimar suas capacidades, tratando de tirar sempre o melhor de cada um. Enxergar os talentos e facilidades daqueles que os têm, mas sem superestimar encurtando caminhos ou pulando etapas, pois mais a frente este aluno, por mais talento que tenha, notará a falta de uma base sólida não construída. Encarar cada um como receptáculo de conhecimentos, sem importar idade, sexo, etnia, talento ou finalidade com as aulas. Todos podem aprender.

 A guitarra flamenca é então este universo vasto de possibilidades e constantes desafios, em todas as áreas, em todos os tempos. E talvez seja isso mesmo o que a torna tão viva e apaixonante. O importante não é o fim, aonde vamos chegar com ela, mas sim o caminho a ser percorrido, com todas as dificuldades que surgem, mas também com todas as recompensas com as quais somos constantemente presenteados. Sempre há algo por descobrir nesta arte provocante e pulsante, que se manifesta de forma tão sublime ao som das cordas de um violão, nas mãos de um guitarrista flamenco que possui tanto formação quanto vocação.

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