FLAMENCO

Impossível falar de flamenco sem falar de seu berço pois, nascido e criado na Espanha, carrega uma bagagem cultural de representatividade mundial que, aos poucos, conquistou e atravessou fronteiras para ser uma arte feita no mundo.

Flamenco não é uma fantasia para vestir, é um mundo particular para se viver.

Cylla Alonso

O flamenco já foi uma arte folclórica que consiste num conjunto de costumes e manifestações artísticas em geral, preservados por um povo (ou grupo populacional) por meio da tradição oral, porém seu desenvolvimento ao longo dos anos consolida seu lugar no mundo das artes como uma linguagem artística específica com milhares de profissionais de todas as áreas que esta arte engloba, e milhares de escolas, cursos, obras, companhias de dança, formação específica e materiais de pesquisas em todo o mundo.

Graças a essa trajetória evolutiva, em 16 de novembro de 2010, o flamenco foi incluído como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO e todos os anos uma infinidade de atividades relacionadas a ele acontecem nesta data como celebração.

 Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade é uma distinção criada em  1997 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura para a proteção e o reconhecimento de expressões culturais, saberes,  formas de expressão, músicas, danças e costumes.

Com um crescimento exponencial nos últimos 40 anos, o flamenco se modificou e evoluiu muito durante este período. Gosto muito da frase (dita numa conversa informal que talvez ele nem se lembre) do bailarino, professor e coreógrafo Javier Latorre com quem tive a honra de conviver artisticamente no Vivência Flamenca (Brasil 2007) e no Festival da Guitarra de Córdoba (Espanha 2008) que dizia: – com a evolução técnica nunca se viu tantos bailaores e bailaoras tão bons ao mesmo tempo.

Com acesso às aulas, técnicas, formações, viagens e intercâmbios flamencos (e não flamencos), o flamenco vive hoje em constante evolução alcançando mais aperfeiçoamento na dança, na guitarra, na percussão e no cante (canto), tornando-se uma arte cada vez mais acessível em qualquer parte do mundo.

O Flamenco evolui em todas partes e no seu tempo, ultrapassando as diferentes barreiras encontradas em cada país ou região, contando com o empenho dos artistas profissionais e dos bons professores de países diferentes que, além de passos, músicas e melodias, oferecem avanços e soluções nesta arte através de resultados de estudos e pesquisas sérias que tornam esta arte possível fora da convivência cotidiana vivida nos ambientes do berço espanhol.

Feito incialmente por imigrantes no Brasil, o Flamenco cultivou as festas espanholas num primeiro momento, mas você ficaria surpreso com o crescimento desta arte no Brasil ao presenciar na atualidade o flamenco em cada um dos seus ambientes, onde há festa mas há sentimentos antagônicos que se encontram e se misturam nas interpretações profundas dos artistas flamencos nacionais.

Em 2021, em comemoração à esta data tão significativa, celebrando o próprio flamenco sem fronteiras e os onze anos de reconhecimento como Patrimônio Cultural da Humanidade, a Casa em Si celebra o mês inteiro de novembro e, entre suas atividades especiais, lança uma série de artigos para você conhecer mais sobre o flamenco, sobre os ambientes artísticos desta linguagem e, também, sobre o crescimento desta arte, também feita no Brasil e por brasileiros.

Cylla Alonso

DA ESTÉTICA AO MERGULHO NA LINGUAGEM FLAMENCA

Ah, esse tal de flamenco é matéria para muitas vidas e feliz daquele que escolheu se entregar à ele nessa vida.

Mesmo que a paixão aconteça pelo contato com a força, a beleza e a natureza particular do flamenco, o amor verdadeiro por ele chega quando saímos da superfície e mergulhamos cada vez mais profundamente na sua essência de troca e de possibilidades.

Para quem não o conhece muito, o flamenco reúne a dança, o canto, a guitarra, a percussão do cajón e as palmas como elementos primordiais que trabalham juntos recriando a criação cada vez que essa reunião acontece.

Começamos a aprender uma coreografia, uma música e um toque mas quando nos reunimos com os outros elementos é onde a arte flamenca realmente acontece.

Um código de baile comunica como o baile seguirá, um som a mais do sapateado altera a sequência combinada, um alongamento de cante modifica uma parte do todo (mesmo que coreografada). Um respiro pode ou não ser necessário (e bailaor e cantaor se comunicam sem palavras, ao vivo, para que ambos sigam ou respirem juntos). Um acorde diferente na guitarra pode nos pedir para bailar um pouco mais sobre a melodia. Uma subida de intensidade do corpo impele o cajón a aumentar sua intensidade. A tranquilidade do corpo pode diminuir todo o volume musical que preenchia o espaço. E entre mil possibilidades, entre uma parte e outra, caminhamos juntos para uma grande explosão de sons, movimentos e sentimentos como uma grande gargalhada conjunta ou um potente silêncio profundo numa conversa entre amigos.

Todo esse diálogo se dá sem palavras e, na maioria das vezes, sem combinação prévia. A expressão flamenca acontece no que chamamos no método coreológico flamenco de: pontos de mobilidade, que são momentos específicos onde o corpo, a voz, a harmonia e a percussão não só conversam, mas principalmente mudam o rumo do tom e o conteúdo daquela conversa naquele momento.

A conversa não é aleatória e exige dominar os recursos do seu instrumento, bem como conhecer a interação dos outros elementos. É através da clareza do compasso que nos une e do conhecimento de onde (e como) comunicar dentro dele que essas intervenções acontecem.

Mesmo sem essa consciência, o flamenco segue sendo apaixonante, visceral e de extrema beleza graças às suas características, porém, quando ficamos na superfície estética perdemos a melhor sensação que ele pode nos oferecer que é de pertencimento, integridade, entrega e principalmente, a unidade.

É muita coisa? É sim … mas vale à pena mergulhar.

O preenchimento infinito destes encontros flamencos e os momentos em que a essência dessa arte se incorpora na vida artística de um aluno são indescritíveis.

Sou muito grata àqueles que se propõe a mergulhar comigo e que, através das suas conquistas, partilham comigo momentos de felicidade e união através da arte.

Cylla Alonso

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