(Por Juliana Batista)
La Singla é uma lendária bailaora cujo nome ressoa profundamente no mundo flamenco. Neste artigo, exploraremos sua vida, carreira e o legado que ela deixou na dança flamenca.
Primeiros Anos e Descoberta do Talento
Nascida em 1948, em Barcelona, na vizinhança de Somorrosto de la Barcelotena, Antonia Singla Contreras enfrentou desafios desde cedo. Segundo conta-se, alguns dias depois de nascer ela foi acometida por uma doença (provavelmente meningite), o que levou a ficar surda.
Esse cenário inicialmente parecia ser um obstáculo insuperável para alguém destinado à música e à dança. “La múa” ( apelido de infância de La Singla), no entanto, provou que sua determinação e paixão pelo flamenco a poderiam fazer superar essa barreira.
Aos 12 anos de idade, ela começou a dançar, surpreendendo a todos com sua habilidade natural e sentido de musicalidade e ritmo, mesmo sem ouvir a música.
A importância de Somorrostro na vivência de La Singla
Aqui é importante sinalizar que o desenvolvimento deste talento se deu por horas e horas de treinos em frente ao espelho e também de recursos que ela encontrou para conseguir entender e, de alguma forma, ouvir o mundo à sua volta. Vivendo em Somorrostro, era comum vê-la observando com olhar atento aos dedilhados de guitarra e lendo os lábios para compreender as entonações das melodias.
Somorrostro era um bairro de favelas à beira-mar, habitado principalmente por ciganos. Esse ambiente multicultural e marginalizado proporcionou um terreno fértil para o desenvolvimento e a perpetuação do flamenco.
Carmen Amaya, outra grande lenda do flamenco, também nasceu neste bairro. “Los Tarantos”, um clássico do cinema flamenco e filmado em 1963, dirigido por Francisco Rovira Beleta, foi gravado neste cenário. Além de vermos Carmen desempenhando um papel importante neste filme, que é uma adaptação da história de “Romeu e Julieta” ambientada em uma comunidade cigana de Barcelona, também podemos ver a participação de uma jovem La Singla mostrando seu talento fora da curva. Foi durante as gravações que elas se conheceram e a própria Amaya dizia que La Singla seria sua sucessora.
La Singla rapidamente chamou a atenção no cenário flamenco de Barcelona e aos 17 anos, ela já se apresentava em importantes palcos internacionais, incluindo o famoso Teatro de la Zarzuela em Madrid.
E ao longo de sua curta carreira, ela teve a oportunidade de se apresentar com nomes como Paco Cepero, Paco de Lucía, El Lebrijano, Orillo del Puerto e Camarón de La Isla.
Os olhos de La Singla
Ainda que você não tenha ouvido falar sobre La Singla, muito provavelmente já deve ter se deparado com alguma imagem de seu rosto ao fazer pesquisa de fotos sobre flamenco. Seu olhar penetrante e concentrado por muitas vezes foi interpretado como um olhar que raiva, angústia ou de tormento, principalmente quando atrelado à uma bailarina surda.
Essa presença fotogênica, para além do talento ímpar para a dança, fizeram com que La Singla fosse uma inspiração/musa para artistas como Dalí e Miró.
Contribuições para o Flamenco
É indiscutível que La Singla trouxe uma nova dimensão ao flamenco. Ela incorporou elementos de suas experiências pessoais e culturais nesta arte. Por exemplo, a sensação sonora que um trem ou um carro andando lhe transmitia acabou sendo incorporada como musicalidade para seus bailes, inclusive criando o conceito de se bailar letras de alegrias.
Documentário “La Singla”, de Paloma Zapata
O documentário narra a busca por se saber mais sobre a história de Antoñita ‘La Singla’. Essa maneira de narrar os fatos recria o processo de Paloma Zapata, a diretora deste documentário, em busca da misteriosa La Singla.
Sem sombras de dúvidas esse documentário nos transporta para outra realidade e nos dá um gostinho do que teria sido ver La Singla ao vivo. Um gostinho que nos tira o ar por tamanha beleza e potência das cenas exibidas, assim como nos faz ficar com os olhos marejados ao ver imagens atuais da bailaora, com a mesma força no olhar que tanto a caracterizaram.
Atualmente La Singla reside em Santa Coloma de Gramenet e já não é mais La Singla. É “apenas” Antonia – se é que isso é possível. Afinal, gênios, como essa incrível potência, transcendem qualquer denominação.
Legado e Impacto Cultural
A “aposentadoria” deste ícone, que saiu de cena aos 29 anos, é envolta de certos mistérios. Existem questões que envolvem problemas com a administração de sua carreira por parte do seu pai, assim como também é dito que sua saída de cena se deu por conta de problemas de saúde relacionados ao stress, depressão, e até mesmo à tireoide.
O fato é que seu legado continua vivo através de gravações que podem ser encontradas no Youtube, por exemplo. La Singla mostrou que as limitações não podem impedir alguém de alcançar a grandeza e alegria de se fazer aquilo que se deseja, aquilo que está dentro do seu coração e alma.
Uma lição valiosa tanto no flamenco quanto na vida! Olé!