A coreografia flamenca está feita através da linguagem para uma apresentação, geralmente em grupo, porém, quanto da linguagem conhecemos e dispomos através dela, para utilizá-la individualmente em contextos de diálogo ao vivo pertinentes ao flamenco?
Muito inspirada pela Mini Maratona e Festa Granaína e, sobretudo, pelo papo no “AFTER” (depois) com alguns envolvidos, com trocas muito interessantes, resolvi trazer uma parte muito rica da conversa onde surge uma expressão muito interessante: LINGUAGEM SECRETA.
Essa expressão me pareceu traduzir essa terrível sensação, recorrente nos estudantes, de que o flamenco é inalcançável e para poucos, apesar da consciência de que ele está presente em todas as partes do mundo e é feito por amadores, profissionais e artistas de várias nacionalidades.
No corpo, um aquecimento, alguns exercícios técnicos necessários e lá vamos nós para o bom e velho aprendizado de coreografias. Na música, o aprendizado de um tema ou canção. Objetivo: treinar para uma apresentação.
Talvez esse processo seja muito eficiente nas outras danças e músicas, incluindo este flamenco para apresentação, mas ao pontuar singelamente uma característica intrínseca do flamenco que é a comunicação ao vivo entre a dança, a música e o ritmo, como acreditar que a cópia e memorização de passos, sequência de acordes ou letra poderia ser minimamente suficiente para que uma conversa se estabeleça?
Salvo o nível de conhecimento imposto pelo contato com o flamenco, como nos alunos iniciantes, poderia a qualidade do flamenco consistir em quantidade de material?
Muitos flamencos já bailaram vários palos, por exemplo, mas quando estamos numa festa e começamos a nos divertir, estes mesmos flamencos não bailam, não “palmeiam”(ato de tocar as palmas como um instrumento) e não tocam (outros instrumentos, ou seja, não participam) porque nunca palmearam para a música, porque nunca interagiram com o baile de outra pessoa, porque a letra para bailar não é a que eles sabem ou porque algo está diferente do que ele aprendeu.
É neste ponto da conversa que se estabelece uma espécie de consciência sobre uma realidade que divide aqueles que dominam aquilo que parece ser a linguagem secreta do flamenco (e que, por isso, podem usufruir dele para além da apresentação) e aqueles que não dominam esta linguagem e se tornam automaticamente espectadores nestas outras situações, pela ausência de ferramentas de interação e compreensão.
É neste momento que entendemos que, apesar da mudança atual que oferece em muitos lugares aulas de estrutura, palmas e improviso, musicalidade, etc., não é só uma questão de anunciar o flamenco como linguagem, senão de tratá-lo realmente como linguagem e concretizar esta realidade no outro.
A linguagem não está na plástica, na beleza estética ou na velocidade. Já diria Camarón de la Isla em sua celebre frase, que diz: “no Flamenco não há mais que uma escola: transmitir ou não transmitir.” Se você buscar a tradução de transmitir do espanhol para o português rapidamente no google, terá como resultado: comunicar. Mas como comunicar algo apenas a partir de um registro do corpo, sem considerar que os outros elementos (guitarra, cante, palmas, cajón) estarão interagindo ao vivo e devem entender o que estou comunicando, além de poderem influenciar mudanças, nuances e quebras deste registro corporal?
Do meu ponto de vista, o flamenco não é uma linguagem secreta e é possível aprendê-lo como um idioma. Talvez por acreditar nisso naturalmente a tantos anos eu tenha desenvolvido o método coreológico flamenco buscando trazer o que se considera intuitivo para um lugar concreto e possível.
E assim, com muita inquietude depois daquela conversa, quis estender o convite a reflexão de que aprender uma linguagem não se trata de “Aprenda mil palavras (passos ou músicas) em um dia!”, e sim de ter um repertório para estabelecer uma conversa com qualquer pessoa que a conheça.
Deixo aqui minha gratidão às pessoas que trocam comigo para além das aulas e eventos e deixo registrado com muito carinho neste artigo um agradecimento especial para uma querida aluna “bailante e pensante” (Claudia), que suscitou o brilhante paralelo do flamenco como linguagem secreta que me inspirou a escrever.