OBRA FLAMENCA / ESPETÁCULO FLAMENCO

Nesta sequência de artigos onde falo sobre os ambientes por onde o flamenco circula, começaremos pelos teatros, um dos ambientes tidos como consagrados para a dança, a música e o flamenco, juntamente com os anfiteatros e os grandes festivais onde estreiam e circulam o que chamamos de obras ou espetáculos flamencos.

Quando o flamenco acontece num contexto de preparação e montagem, ele entra no mundo das artes cênicas, preservando suas características de linguagem de música e dança indivisíveis, já que o próprio bailarino é um percussionista e já que a dança e música acontecem ao vivo.

ARTES CÊNICAS

Arte Cênica é o conjunto de preceitos para o estudo e a prática da representação e a dramatização, seja no teatro, na dança,  na música, ou em qualquer ambiente de manifestações artísticas (circo, ópera, etc). É uma forma de arte apresentada em um palco , lugar destinado aos artistas, onde acontece uma apresentação com um segundo espaço para a platéia onde ficam os seus espectadores. Assim, esta forma de arte pode ser feita onde possam ser concebidos estes dois espaços: palco e platéia.

Quando as artes cênicas vão para o ambiente do teatro, contam com diversos recursos, como veremos a seguir. No caso do flamenco, ganham o nome de obras flamencas ou espetáculos flamencos. Em geral, estes espetáculos são previamente construídos para se destinarem à este ambiente como um espaço específico de apresentação que difere dos demais pelas suas caraterísticas.

 Mas, quais seriam essas características?

O TEATRO COMO AMBIENTE FLAMENCO

Estas obras são executadas por artistas profissionais, com um sentido de começo, meio e fim, cujo contexto é enriquecido pelo ambiente do teatro, que dispõe de vários recursos como luzes, gravações, efeitos especiais, cenários, figurinos e um roteiro com amarrações entre números que seguem um contexto ou que contam uma história (ou várias pequenas histórias, dependendo do caso). Por este motivo, os espetáculos exigem um desenvolvimento prévio em várias áreas e uma equipe maior na pré-produção e produção, contando com equipe técnica, além de artística, para desenvolver o espetáculo como um todo.

Como estes espetáculos são montados, há uma diversidade de papéis e de trabalhos por trás da obra que vemos ao vivo. Há um elenco, coreógrafos, arranjadores, diretores, produtores, técnicos e compositores que cuidarão de montagens coreográficas, montagens musicais, montagens cênicas, costuras entre as cenas, mudança de cenários, criação dos mapas de palco, luz e som construídos previamente para que funcionem como um conjunto.

Diferentemente do Ballet Clássico que tem seus ballets de repertório constituídos, onde diferem os intérpretes e se mantém a coreografia, o figurino, as cenas, a música, etc, o flamenco apresenta alguns títulos de obras consagradas como Carmem e a Casa de Bernarda Alba que costumam ser remontadas por diferentes artistas fazendo com que a mesma história tenha muitas interpretações.

Embora as histórias sejam clássicas, possivelmente a maioria das obras flamencas sejam de alguma forma autorais por imprimirem a visão particular do(s) artista(s) que faz a montagem.

É importante não confundir as obras flamencas com os espetáculos de final de ano, onde alunos que praticam flamenco junto com as suas atividades comuns se apresentam. Estas apresentações são espetáculos por se apresentarem no espaço teatral e utilizarem os recursos do mesmo, mas são diferentes dos espetáculos profissionais, cujo elenco tem formação profissional e a arte como sua profissão, tendo esta atividade como sustento de vida através das apresentações, dos patrocínios e prêmios.

Embora o flamenco seja uma forma de arte cênica não verbal, a dança e a música caminham juntos ao vivo, e podemos encontrar com certa frequência a dança teatro, principalmente nas obras flamencas, trazendo a bagagem e atribuições do próprio teatro como linguagem de arte somadas à dança.

A DANÇA TEATRO

O conceito de “Dança Teatro” surgiu na Alemanha, no Folkwang Tanz-Studio, criado por Kurt Jooss no final da década de 20 e ganhou notoriedade a partir da década de 70, tendo na figura da coreógrafa alemã Pina Bausch seu principal expoente. Outro nome importante foi o de Rudolf Van Laban – considerado o “pai” da dança-teatro. Dança teatro combina: dança, canto, diálogos, uso de personagens, cenários e figurinos;

Um exemplo marcante e atemporal de dança teatro é a obra Carmen, trazida algumas vezes para o Brasil pela companhia de Antonio Gades, que fez turnê por cinco capitais brasileiras em 2019.

Boa parte das obras e espetáculos flamencos espanhóis tem sua estréia nos festivais de interesse como o Festival de Jerez, a Bienal de Sevilha e a Suma Flamenca de Madrid.

ESPETÁCULOS FLAMENCOS BRASILEIROS

No Brasil, algumas companhias e grupos apresentaram importantes espetáculos no decorrer dos últimos 40 anos, muitas vezes produzindo por sua própria conta. Porém é importante ressaltar que com a pandemia e a aprovação do auxílio da Lei Aldir Blanc, o número de espetáculos cresceu num prazo de tempo histórico para a arte em geral. Numa temporada impeditiva para o presencial, muitos espetáculos e obras foram selecionados, elaborados e apresentados com transmissão online ou gravados para apresentação digital entre 2020 e 2021.

Com essa produção de espetáculos na pandemia brasileira entendemos (através de números e estatísticas) que somente a soma da regulamentação das artes com as leis de incentivo, permitem que os artistas possam produzir arte e efetivamente entrega-las ao público, utilizando a verba da cultura ao que ela realmente se destina: viabilizar arte acessível para todos.

Muitos brasileiros nunca entraram num teatro e boa parte, senão a maioria, não frequenta teatros. Quantos espetáculos flamencos foram vistos e quantos poderiam ser vistos por centenas de pessoas através das políticas culturais?

Há muito flamenco por descobrir, ver e ouvir e encerro este artigo lembrando que: – Onde há paz, há cultura e onde há cultura, há paz (Nicholas Roerich).

FLAMENCO

Impossível falar de flamenco sem falar de seu berço pois, nascido e criado na Espanha, carrega uma bagagem cultural de representatividade mundial que, aos poucos, conquistou e atravessou fronteiras para ser uma arte feita no mundo.

Flamenco não é uma fantasia para vestir, é um mundo particular para se viver.

Cylla Alonso

O flamenco já foi uma arte folclórica que consiste num conjunto de costumes e manifestações artísticas em geral, preservados por um povo (ou grupo populacional) por meio da tradição oral, porém seu desenvolvimento ao longo dos anos consolida seu lugar no mundo das artes como uma linguagem artística específica com milhares de profissionais de todas as áreas que esta arte engloba, e milhares de escolas, cursos, obras, companhias de dança, formação específica e materiais de pesquisas em todo o mundo.

Graças a essa trajetória evolutiva, em 16 de novembro de 2010, o flamenco foi incluído como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO e todos os anos uma infinidade de atividades relacionadas a ele acontecem nesta data como celebração.

 Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade é uma distinção criada em  1997 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura para a proteção e o reconhecimento de expressões culturais, saberes,  formas de expressão, músicas, danças e costumes.

Com um crescimento exponencial nos últimos 40 anos, o flamenco se modificou e evoluiu muito durante este período. Gosto muito da frase (dita numa conversa informal que talvez ele nem se lembre) do bailarino, professor e coreógrafo Javier Latorre com quem tive a honra de conviver artisticamente no Vivência Flamenca (Brasil 2007) e no Festival da Guitarra de Córdoba (Espanha 2008) que dizia: – com a evolução técnica nunca se viu tantos bailaores e bailaoras tão bons ao mesmo tempo.

Com acesso às aulas, técnicas, formações, viagens e intercâmbios flamencos (e não flamencos), o flamenco vive hoje em constante evolução alcançando mais aperfeiçoamento na dança, na guitarra, na percussão e no cante (canto), tornando-se uma arte cada vez mais acessível em qualquer parte do mundo.

O Flamenco evolui em todas partes e no seu tempo, ultrapassando as diferentes barreiras encontradas em cada país ou região, contando com o empenho dos artistas profissionais e dos bons professores de países diferentes que, além de passos, músicas e melodias, oferecem avanços e soluções nesta arte através de resultados de estudos e pesquisas sérias que tornam esta arte possível fora da convivência cotidiana vivida nos ambientes do berço espanhol.

Feito incialmente por imigrantes no Brasil, o Flamenco cultivou as festas espanholas num primeiro momento, mas você ficaria surpreso com o crescimento desta arte no Brasil ao presenciar na atualidade o flamenco em cada um dos seus ambientes, onde há festa mas há sentimentos antagônicos que se encontram e se misturam nas interpretações profundas dos artistas flamencos nacionais.

Em 2021, em comemoração à esta data tão significativa, celebrando o próprio flamenco sem fronteiras e os onze anos de reconhecimento como Patrimônio Cultural da Humanidade, a Casa em Si celebra o mês inteiro de novembro e, entre suas atividades especiais, lança uma série de artigos para você conhecer mais sobre o flamenco, sobre os ambientes artísticos desta linguagem e, também, sobre o crescimento desta arte, também feita no Brasil e por brasileiros.

Cylla Alonso

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