Desde muito antes do começo da pandemia, eu me perguntava se as pessoas realmente sabiam que a dança, a música, enfim, … que as artes são uma profissão. Embora soubesse que há pouca consciência sobre o setor, eu sabia que toda mobilização da área era inevitável e necessária, tornando-se fundamental com a pandemia.
Na Live “Flamenco es trabajo”, (flamenco é trabalho) que aconteceu no canal do América Flamenca no Youtube, pude acompanhar a movimentação que está acontecendo no flamenco, que se move em diferentes países buscando seu espaço próprio nas artes e na área da cultura.
As Lives do Canal do América Flamenca têm trazido fontes diversas, nos mostrando que, além da vida flamenca artística nas Américas, também existem pessoas por detrás das artes que trabalham para produzir diálogo, escuta e conscientização a partir do compartilhamento de informações.
Produzida por Alejandra Soto e Thais Maya, esta Live do América Flamenca alimentou ainda mais no meu comprometimento com o projeto coletivo (#dançaessencial) ao ouvir os relatos dos representantes das associações artísticas (neste caso voltadas ao flamenco) do Chile, Argentina e Espanha. É cada vez mais claro para mim como os artistas têm necessidades fundamentais comuns, e como o setor, fragilizado profissionalmente desde seu berço, ficou mais invisível como profissão, apesar de todo progresso nos últimos anos e das visíveis mobilizações que ocorreram na pandemia.
A jornalista Alejandra Soto pontuou incrivelmente ao fazer uma pergunta aos entrevistados sobre como é importantíssima a ação e organização da Associação União Flamenca Espanha, como uma referência, necessidade, inspiração, ou talvez um marco, para uma nova revisão do papel dos profissionais flamencos em várias partes do mundo.
No caso do flamenco, considerando as necessidades e as características particulares que o diferenciam das outras danças, a busca por uma movimentação comum enquanto área específica de atividade profissional a ser considerada, é notória em todas as partes do mundo. Ouvindo os relatos das associações percebemos claramente como a profissão de artista tem necessidades básicas convergentes, mas que cada área de cada setor tem demandas próprias que devem ser levadas em consideração.
Flamenco é dança, mas também é música e, ao ser categorizado numa área específica (dança ou música) perde a sua essência de ser a soma destas duas áreas. Flamenco, até num solo, é dança coletiva pois interage, coexiste em cena em comunicação AO VIVO com os músicos e vai além dos teatros pela sua natureza diversificada em ambientes mais específicos, como o tablado, a cueva, uma juerga, peñas e salas de cante, que possuem propostas características para cada ambiente, mesmo pertencendo a mesma linguagem.
Faço questão de comentar que todos os relatos foram inspiradores, mas minha admiração pelo artista Arcangel ultrapassou o nível máximo. Concluo que o artista que transborda arte o faz mesmo fora de cena e sua natureza sempre encontra uma maneira de manter uma majestosa beleza, até mesmo quando humanamente exibe suas tristezas.
Foi assim que ouvi a beleza contundente das falas do cantaor flamenco Arcangel, que não escondeu a tristeza sobre os efeitos da pandemia e soube falar com maestria, principalmente sobre a necessidade da mudança humana como um atributo essencial para que as associações se criem, se mantenham, cuidem e protejam seus artistas.
Através de suas ações no Union Flamenca, Arcangel mostra que “dar a cara” por um objetivo comum é falar sobre o que atinge aqueles que não tem visibilidade para alçar a voz. É usar sua voz para que algo seja feito em benefício de toda uma classe de artistas profissionais que precisam de um coletivo que organize e estruture as demandas, a regulamentação, burocracias fiscais, contratuais e condições para que seja possível interceder com seriedade junto aos órgãos governamentais de competência.
Arcangel também falou sobre outras questões delicadas com muita sensibilidade e objetividade. Trouxe à tona a dificuldade em reunir artistas ressaltando a diferença entre a produção artística e o coletivo profissional, frisando que as associações funcionais precisam trabalhar em prol das necessidades comuns, onde os “egos” precisam ser deixados de lado para que algo possa ser feito em benefício de todos. Importantíssimo falar disso, pois os coletivos artísticos não podem começar a mudar o mundo baseando-se em como cada um sente a arte ou se expressa através dela e não crescerão sem estar focados no que é comum ao aspecto profissional de todos.
Apesar de ser reconhecido mundialmente pelo seu cante, não se esqueceu de falar sobre a invisibilidade da arte como profissão, nos lembrando que há algo estrutural na sociedade e nas leis da cultura que precisam ser abordadas e mudadas para que sejamos reconhecidos como trabalhadores dignos.
Sobre este tema, o vídeo exibido pela associação argentina de mulheres trabalhadoras flamencas da Argentina fala muito sobre esse reconhecimento.
Deixo aqui meu “reverence” à Arcangel e à todos que participaram nesta Live, especialmente à produção do América Flamenca.
Ainda que a dança esteja longe de alcançar o espaço, visibilidade e reconhecimento como profissão na sociedade, são ações e conversas como estas que possibilitarão uma revisão sobre a importância dos trabalhadores da dança para o todo o público.
Cylla Alonso
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Deixo aqui para vocês o link da Live: